terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 01

A tempestade parecia chegar. O vento soprava forte a estibordo e as nuvens deixavam o céu com aquela cor de chumbo, como se o dia fosse transformar-se em noite. As ondas cresciam pouco a pouco e o mar tornava-se cada vez mais agitado, inquieto feito um animal ao prever o perigo. De tempos em tempos um raio cortava o céu deixando para trás um estrondo assustador. A lancha na qual estávamos balançava e inclinava demasiadamente ora para um lado ora para outro ao se chocar contra uma onda obrigando-nos a segurar firme.
Eu e as meninas estávamos cada vez mais assustados, essa era a verdade. E nosso medo crescia ainda mais a medida que o estrondo chegava aos nossos ouvidos. Não era a primeira vez a ser apanhado por uma tempestade no mar. Eu já havia passado por isso uma ou duas vezes com meu pai num de seus barcos de pesca, mas mesmo assim isso não me confortava em nada, pois diferentemente de outras vezes agora encontrávamos longe da costa. Aliás, nunca vira o tempo mudar de forma tão rápida.
Quando saímos mais cedo para dar uma volta de barco, o dia estava bonito, ensolarado, e pensávamos que teríamos sol o dia todo. Talvez por isso, por acreditar que o tempo não mudaria, meu tio tenha adentrado tão profundamente em alto mar. Não que a lancha não fosse apropriada para ir tão longe. Quanto a isso não havia dúvida. O problema era que não estávamos preparados para tanto. Além de que meu tio Jamil não era experiente o bastante para navegação em situações adversas, como acontecia com meu pai – um marinheiro nato.
Era a primeira vez que ele se dispunha a sair de barco sem alguém com mais experiência a nos acompanhar. Foi uma imprudência por parte dele, contudo, só se ofereceu a sair ás sós com a gente porque nossa intenção era tão somente dar uma volta, navegando pela costa, como ouvir meu pai recomendar por mais de uma vez.
Éramos cinco pessoas na lancha. Outro erro: pois a lancha só tinha capacidade para quatro pessoas. Nesse ponto, a culpa foi toda minha. Eu não devia ter convidado as três meninas para vir conosco. Todavia, como quase todo adolescente, eu queria fazer bonito e aparecer. Não é assim que os jovens fazem? Aliás, não perdem uma oportunidade chamar a atenção. Dessa forma, convidei uma pessoa a mais. Contudo, meu tio deveria ter se oposto a transportar mais gente do que o permitido, mas também não fez nenhuma objeção. Não sei se foi para me agradar ou se foi porque sua filha era um das passageiras, a qual tornava uma séria candidata a exclusão. Talvez ele não quis se arriscar e ficar numa situação embaraçosa.
Quanto à lancha não era nova. Possuía alguns anos de uso, embora eu não soubesse quantos. Sei que o tio Jamil a adquirira num leilão há pouco mais de um ano. Antes disso, ele tivera uma menor ainda, a qual vendeu para pagar esta. A lancha porém estava em bom estado e até onde sei passara por uma revisão tempos atras. Não havia nada que a impedia de navegar. Meu tio gostava tanto da lancha, principalmente do nome, que só se referia a ela pelo nome. Jamais alguém o viu chamar sua “LIBERDADE” de lancha ou barco, tamanho apego. Vez ou outra alguém o inquiria acerca de quem era essa tal “LIBERDADE”, talvez pensando tratar-se de uma mulher.
A turbulência estava ficando cada vez mais pior. Via-se que meu tio também estava apreensivo e preocupado, pois diferentemente do que sempre fora, mantinha-se calado e agitado. Ele tentava manter o controle da situação, mas a medida que as ondas atiravam o barco para lá e para cá, obrigando-nos a segurar firme, via-se uma falta de indecisão, um não saber o que fazer. Possivelmente porque nem meu pai e nem o Paulo Roberto, o marinheiro contratado pelo meu tio, estavam conosco. Ele tentava a todo custo nos trazer à costa, mas nada de avistarmos a cidade, pois parecia que estávamos mais longe da costa do que meu tio supunha. Não tenho certeza, mas algo me dizia que aquilo não ia terminar bem.
Súbito o motor parou.
-- Tem alguma coisa errada aqui – disse ele, como se pensasse alto.
-- O que foi pai? – perguntou Ana Paula, a mais jovem e nós. Tratava-se uma menina baixinha, de doze anos, de cor parda, cabelos pretos e olhos um pouco puxados como se fosse descendente de orientais. A menina era quase uma cópia perfeita da mãe, exceto pelos olhos que lembravam um pouco o pai.
-- O medidor diz que ainda temos bastante combustível.
-- O que vamos fazer agora? – arrisquei a perguntar.
-- Não sei. Fiquem calmos que vou dar uma olhada.
Tentou de todas as formas fazer o motor pegar. Nada porém surtiu efeito. A verdade é que estávamos à deriva em plena tempestade.
O pior ainda estava por vir. A tempestade desabou e definitivamente o dia tornou-se noite, dando a impressão de estarmos no meio do nada. O vento e as ondas, mais intensas, atirava-nos para tudo enquanto era lado ao mesmo tempo que invadiam a lancha, muitas vezes desabando por cima de nós. E quanto mais o tempo passava, mais desesperado ficávamos. As meninas, histéricas (não sei porque as mulheres têm o dom de ficar histéricas diante do perigo), começaram a chorar e o tio Jamil teve que gritar e ameaçá-las com uns tabefes para que se contivessem. Eu não chorara, não porque não estava com medo, mas por vergonha mesmo. Não queria dar a impressão de covarde, medroso e fracote, pois certamente era isso que pensariam de mim.
A bússola não marcava mais a posição em que estávamos ou era meu tio quem não conseguia mais interpretá-la. O rádio estava mudo, quanto a isso não havia dúvida. Eu via o desespero nos olhos dele. Talvez ele tivesse mais consciência do que nós de que a coisa estava preta, de que estávamos à deriva. A verdade era que não sabíamos onde estávamos, se longe ou perto da costa. De forma que só nos restava esperar a tempestade passar e então pensar no que fazer.
Não sabia há quanto tempo jazíamos à deriva. Poderia ter se passado meia hora, uma ou até bem mais do que isso. A tempestade não dava trégua e nem sinal de que as coisas ficariam melhores. E com o aproximar da noite parecia escurecer mais e mais. Não sei se era reflexo de nosso desespero, ou se realmente a tempestade tornara-se pior. Por questão de segurança, meu tio havia nos pedido para colocarmos o salva-vidas.
Uma onda gigante começou a se formar a poucos metros a nossa frente. Já havíamos enfrentados outras, mas esta parecia ser absurdamente grande. “Só faltava essa agora! É o nosso fim!”, pensei.
Confesso nunca ter sentido tanto medo quanto naqueles segundos. Enquanto ela se aproximava feito um monstro crescendo em nossa frente, pronto a nos engolir, eu só pensava em minha mãe e naqueles últimos instantes. Era como um carrasco erguendo as mãos para desce-la pela derradeira vez. Eu sentia medo, um medo indizível, mas, ao mesmo tempo, tentava pensar em algum momento especial de minha vida para morrer tendo-o como minha última lembrança. Sim, eu pensava que morreríamos. As meninas gritavam e choravam, mas eu não prestava atenção a isso.
De repente a onda atingiu a proa do barco e nos atirou longe. Não sei quanto tempo fiquei submerso até voltar a tona. Ainda me lembro que, ao voltar a superfície, encontrei tão somente destroços da lancha. Alguns metros adiante ouvi alguém gritar. Era Marcela, amiga de minha prima. Acabara de completar quatorze anos no último domingo. Era a menina por quem estava apaixonado. Na verdade, ela ainda não sabia de meus sentimentos, mas sua beleza me fascinava desde a primeira vez em que a vi há uns seis meses atrás na casa de meu tio.
Quando ouvi seus gritos, respondi de imediato e nadei em sua direção. Instantes depois, ouvi os gritos de Ana Paula. Naquele momento não me passou pela cabeça procurar por meu tio Jamil e pela Luciana. Queria tão somente aproximar-me da Marcela para saber se ela estava bem. E só me dei conta de procurar pelos outros quando Ana Paula chamou pelo pai.
Tudo se passou em pouco mais de um minuto ou dois, não mais que isso. E quando Ana Paula chamou pelo pai, a voz ao longe que ouvimos não foi a dele. Era Luciana quem perguntava onde estávamos.
Apesar do mar revolto, a muito custo, conseguimos nadar uns em direção aos outros, e assim nos mantermos vivos. Pouco tempo depois, a tempestade foi passando e as águas do mar foram se acalmando, como se a ira de Poseidon houvesse abrandado. Aliás, ainda me recordo bem de ter pensado: “Parece até que Deus só queria destruir o nosso barco”.
Tentamos encontrar meu tio, contudo nenhum sinal dele. Lembro-me de ter nadado até os destroços do barco, mas nada encontrei. Haviam grandes pedaços de madeira boiando em meio a pedaços de papel e plástico. Procuramos eu e a Luciana (ela tornara-se uma ótima nadadora depois de entrar na natação uns dois anos atrás) entre aquilo tudo algo que pudesse ser útil e nos ajudasse a sair dali, mas nada encontrei. Ocorreu-me apenas a ideia de me apoiar num dos pedaços da lancha (aliás o maior) e chamar as meninas para que fizessem o mesmo.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

ADEUS À INOCÊNCIA - INTRODUÇÃO


Resolvi publicar aqui no meu blog o texto integral da primeira obra que escrevi nos primeiros anos da juventude. Tomei essa decisão porque trata-se de um texto que, apesar das revisões que andei fazendo, não me parece maduro o suficiente para uma publicação em formato impresso. De mais a mais, é uma narrativa – embora seja uma ficção – bastante pessoal. Não me recordo – pois já fazem quase 30 anos que o escrevi --, mas acredito que na época em que foi escrito o personagem-narrador não fosse tão diferente do que eu era. Embora a história seja contada por alguém mais velho, o personagem tinha praticamente a mesma idade que a minha. E pela forma com que ele agia, não há como negar que também eu agisse e pensasse assim naquela época. Eu não tinha idade para criar um personagem completamente diferente de mim como faço hoje em dia,.embora todo personagem tem um pouco de seu autor. Talvez o leitor goste ou não da obra ou a ache ingênua demais. Contudo vale lembrar que foi escrita por um garoto que pouco conhecia do mundo.
Quanto à história, trata-se das aventuras de quatro adolescentes -- um garoto e três meninas -- entre treze e quinze anos que, após um naufrágio, ficam presos por um longo período numa ilha (safadinho eu heim!). O texto narra as dificuldades para se sobreviver, os conflitos e a perda de inocência com a descoberta da sexualidade e a degradação moral desses jovens. Daí o título: “
Adeus à Inocência
Não se trata de uma semelhança com a Lagoa Azul ou o Senhor das Moscas, uma vez que quando escrevi este livro, no início dos anos 80, não conhecia nenhuma dessas duas obras. Hoje porém é inevitável em alguns pontos uma certa semelhança entre minha narrativa e os dois romances, principalmente com a obra de William Golding.


Logo mais estarei postando o primeiro capítulo. Boa leitura. 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

RIR DE UM POETA

Rir de um poeta
Por causa de sua obra inserta
É na verdade
Um crime lesa-a-majestade

Pois não é o poeta
Uma alma que vaga incerta
Entre a mentira e a verdade
Em busca de sensibilidade?

Não é ele um fingidor
Que entre a alegria e a dor
Extrai a essência
Para a mais bela fragrância?

Não riem de um poeta louco
Que sabe de tudo um pouco
E que da arte de amar
Conhecedor melhor não há.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A MENINA DO ÔNIBUS - Capítulo 3 - parte 2


Anexo Secreto. Como poderia me esquecer desse nome? Luciana. Foi ela quem o denominou assim pela primeira vez. Ainda me recordo de suas palavras, quando recostada ao muro, com seus braços a enlaçar-me o pescoço e olhando-me nos olhos com seus olhos brilhantes acrescentou que a partir daquele momento ali seria o nosso “Anexo Secreto”. Éramos então dois adolescentes de 16 anos. Que momentos felizes. Estávamos perdidamente apaixonados. Tudo parecia tão simples, tão possível naqueles tempos. Era como se o nosso amor fosse eterno. Pena que o tempo e as nossas diferenças se encarregaram de apagar aquela chama tão intensa, tão cheia de vida. Então restaram as cinzas, as lembranças de um passado mágico, único como é esse período na vida da maioria dos jovens. Aliás, foi a única vez em que estive realmente apaixonado. Quase cinco anos. E mesmo quando me confessou não me amar mais, ainda sim continuei a amá-la, a sofrer com sua ausência. A dor custou a passar e foi-me preciso derramar rios de lágrimas até que lentamente a serenidade a cicatrizou, embora as marcas perdurem até hoje. Depois prometi a mim mesmo nunca mais me apaixonar. Foi como uma promessa a um moribundo no seu leito de morte. Não, aquilo tudo de novo não, definitivamente não. E desde então não faço outra coisa a não ser procurar nas mulheres tão somente o prazer, o máximo de prazer possível, mesmo que para isso tenha de magoar, desiludir e fazer sofrer uma ou outra pobre coitada. Mas antes elas do que eu. Aliás, isso também há de lhes fazer algum bem, pois assim verão o ser humano tal qual verdadeiramente é. Melhor uma desilusão passageira a serem enganadas a vida inteira. “Com Ana Carla também há de ser assim. Estou é lhe prestando um grande favor”, lembro-me de pensar ao retornar para casa após aquele rápido encontro, quando a imagem de suas coxas viçosas presas aos meus quadris me fizeram pensar na sua inocência perdida. Ah, se ela soubesse como estava sendo usada, enganada e tratada feito um brinquedinho! Certamente me odiaria para sempre. “Ah, mas esse momento vai chegar. Quando eu foder aquela bocetinha, tirar o cabaçinho dela e me fartar, vou dar-lhe um chute no traseiro, como fiz com todas as outras. Aposto como aqueles olhinhos tão bonitinhos vão se encher de lágrimas antes que o ódio as sequem. É assim que sempre acontece. Primeiro as lágrimas e os porquês, depois os xingamentos e o ódio. Algumas fazem ameaças e prometem vingança, mas ficam só nisso. Nessas horas o tempo lhes é o maior aliado; devolve-lhes a razão e tudo termina por aí, sem maiores consequências”, pensei, afetado por recordações ignóbeis a se condensarem dentro do cérebro.
Por falar em consequências, esforcei ao máximo para dar-lhe a impressão de que estou me apaixonando. Penso que: se Ana Carla visse em mim uma intensa paixão, não terá medo em se entregar totalmente, pois acreditará que estaremos fazendo tudo por amor. Aliás, se necessário for, convencê-la-ei de que sua virgindade me será a maior prova de amor. As meninas quase sempre caem nesse golpe. Estão apaixonadas e cegas demais para verem o perigo diante dos olhos. E aquelas que não caem é porque o sedutor não foi inteligente o bastante para iludi-las, enganá-las, pois um homem inteligente é capaz de passar a lábia em qualquer mulher. As mulheres gostam de ser enganadas, feitas de idiotas. E só o fato de acreditarem que o amor é eterno já é uma prova disso. Nada é eterno, nem mesmo a eternidade. Tudo começa e tudo termina. Eis a mais inquestionável das verdades; aliás a maioria das verdades só são verdades enquanto possam nos beneficiar e quando não servem para mais nada são substituídas por outras verdades que cedo ou tarde também serão substituídas por outras e assim sucessivamente.
Hoje, lendo seu diário, vejo ter obtido sucesso. Ela acreditou sem mesmo se perguntar se não era estranho meu comportamento, uma vez que mal nos conhecíamos. Mas como ela haveria de saber? Não dispunha de experiência de vida. Por falar nisso, foi em cima desse fato que apostei sem medo de errar. Só não acertei como saí de nosso encontro com a certeza de possui-la muito antes do esperado. Fiz até planos, tracei estratégia para os próximos dias, sempre pensando no instante onde finalmente nossos corpos seriam um só. E foi pensando nesses momentos que fui mais uma vez dormir com o fogo a me queimar as entranhas.
Quando ela me telefonou na segunda-feira, confessou-me estar morrendo de saudades, com uma enorme vontade de me ver. Ao ouvir isso, deixei inclusive escapar uma risada. “Morrendo de saudades? Então as coisas vão ser mais fáceis que pensei”, disse com meus botões. Foi inclusive este pensamento a causa da graça. Ana Carla por sua vez quis saber o motivo daquela risada. E sem jeito menti ao dizer-lhe ser de felicidade por estar falando com ela. E não é que Ana Carla acreditou? Bobinha. Às vezes, fico pensando como as mulheres podem ser tão inocentes. Não que um homem não cairia numa dessas, pois existem muitos homens tanto ou mais idiotas que a maioria das mulheres, assim como existem mulheres mais espertas que muitos homens, mas em se tratando de questões amorosas, quase todas são iguais. Por isso sempre tive facilidade em enganá-las. Excetuando Luciana, só uma não caiu na minha conversa. Mas fui justamente me envolver com uma estudante de física quântica. Como eu poderia saber que aquela jovem de cabelos longos, olhos penetrantes era uma mulher mais esperta que eu? Com aquele sobrenome, eu deveria ter suspeitado que não se tratava de uma qualquer. Adinilza Moraes Nogueira de Albuquerque. Filha de uma tradicional família paulistana. Nós nos conhecemos por acaso às vésperas do réveillon durante uma caminhada pelo calçadão da Enseada. Ela usava um shortinhos curto e uma mini-blusa semitransparente. Olhei para aquelas coxas, aquele traseiro e aqueles peitos e imediatamente pensei: “Preciso foder aquela boceta e chupar aqueles peitos”. Acabamos nos encontrando quatro ou cinco vezes, mas em nenhum momento ela me deixou ir além de um beijo. Afirmara ter vindo ao Guarujá apenas para aproveitar as férias e não queria de jeito nenhum envolver-se comigo ou com quem quer que fosse. E até onde sei cumpriu a promessa. Fiquei puto da vida, pois quanto mais eu insistia mais vontade sentia de possui-la. Acabei comendo-a só na punheta mesmo. E olha que não foram poucas. Há poucos dias inclusive lembrei-me dela enquanto me barbeava. E já que estava ali no banheiro, acabou sendo a fonte de inspiração para mais um gozo solitário.
Que Ana Carla não era uma Adnilza, isso eu já sabia; até porque era seis anos mais jovem. Mas também não era como a maioria das garotas com as quais havia saído. Sua inocência não era descabida. Tanto que no dia seguinte, quando lhe disse propositalmente que não poderia ir ao seu encontro, foi categórica em afirmar que se eu realmente quisesse vê-la, daria um jeito, pois quando a gente quer uma coisa acaba fazendo de tudo para obtê-la. Foram exatamente essas as palavras que usou, embora tenha omitido o pronome no final da frase. Uma idiota qualquer não usaria um argumento desses. E ela estava certa. Nada me impediria de encontrá-la no Anexo Secreto. A questão porém era a seguinte: queria deixá-la – como confessara no dia anterior – com mais saudade, com uma vontade quase incontrolável de estar comigo. Mas pra quê?, pode estar a se perguntar o leitor. Ora bolas! Para obter mais poder sobre ela. Embora o poder que exercia já me era suficiente, por que perder a oportunidade de conseguir mais? Não é assim que acontece com a maioria dos seres humanos? Quanto mais tem, mais quer? Aliás, não considero isso um erro. Faz parte da natureza humana, apesar de muitos – os pobres infelizes -- acabam desistindo pelo caminho. Eu, no entanto, não fazia parte desses muitos. Por isso me mantive impassível, apesar de também eu estar desejoso em encontrá-la.
Sim, amigo leitor, assim como aconteceu com Ana Carla – pelo menos é o que está em seu diário –, eu também fiquei profundamente afetado por não a ter visto. Não que eu estivesse com saudades. Não, não se trata de saudades. Não é desse sentimento que estou falando. O que me afetou foi a curiosidade, a vontade de saber como ela estaria vestida, como agiria, como reagiria as minhas investidas, pois certamente iria mais longe que da última vez. Eram exatamente essas as minhas inquietações. E de fato, estava assaz afetado, tanto que, ao me deitar, não fui capaz de apanhar o volume de Crime e Castigo sobre o criado mudo e prosseguir a leitura, abandonada desde o dia em que lhe dera a pulseira. Os pensamentos seguindo o mesmo fluxo, feito águas dos afluentes de um grande rio, convergiam para um mesmo ponto, deixando-me desinteressado da leitura; aliás, da leitura só não, mas de tudo que exigisse atenção.
Não me ter encontrado com Ana Carla parece tê-la afetado bem mais que a mim. Digo isso com base em suas palavras, registradas de forma apressada e com um certo ar de indignação em seu diário, onde se pode notar uma certa falta de cuidado com a caligrafia, embora para olhos desatentos isso até possa passar ao largo. Quanto à caligrafia, vou ficá-la devendo ao leitor; mas quanto ao conteúdo de seu diário, eis o que ela escreveu:

Terça-feira, 23 de novembro
Na escola

Ontem não nos vimos. Só conseguimos nos falar um pouco ao telefone. Fiquei com tanta saudade dele. Queria ter sentido os beijos dele, os braços dele me apertando... Queria ter ficado com ele no nosso Anexo secreto e sentado no colo dele. Eu até ia vestir a mesma saia que usei no nosso último encontro.
Depois que terminar a aula vou ligar para ele. Hoje eu arrumo um jeito da gente ficar. Só se não der para ele. Duvido que ele não vai querer! Nem que seja depois que sair do trabalho. Só preciso pensar numa desculpa para sair de casa.

Noite
Não deu para a gente se ver. Estou triste e chateada. Eu queria tanto me encontrar com ele. Será que ele não percebe que eu já não consigo ficar mais sem ele? Será que ele não me ama tanto assim, como eu o amo? Ah, se ele soubesse como eu sinto falta dos seus beijos, dos seus carinhos, de suas mãos passando pelo meu corpo!
Eu sei que não posso deixar ele ser tão ousado assim, mas se ele soubesse como é gostoso quando faz isso! Eu fico tão excitada quando ele começa a me acariciar daquela forma. Será que algum dia eu vou ser dele? Será que eu vou aguentar por muito tempo? Não, não! Eu não posso ficar pensando nessas coisas. Eu ainda não estou preparada para tamanha responsabilidade. Sei que, às vezes, sinto algo estranho comigo, meu corpo parece que quer algo, mas fico na dúvida, não sei se é vontade de me entregar a ele.
Outro dia, a Marcela me perguntou se eu já tinha me tocado até sentir uma coisa esquisita. Eu disse que não. Ela disse que já experimentou e é delicioso, mas eu não sei como fazer. Já tentei, mas isso só me deixou mais excitada. Vou perguntar para ela como é que faz. Depois vou tentar novamente. Quem sabe eu paro de ficar desse jeito toda vez que me encontro com ele.

Quarta-feira, 24 de novembro.
Hoje conseguimos nos encontrar por algum tempo. Assim que ele saiu do trabalho, eu saí de casa. Inventei uma desculpa. Disse para minha mãe de que tinha que ir até a casa da Marcela fazer trabalho. Acho que ela ficou um pouco desconfiada, mas acabou deixando.
Eu ia por aquela saia fina, mas eu não podia me arrumar demais. Não queria levantar suspeitas de minha mãe. Por isso vesti uma coisa mais simples. Pus um shortinho bem curto e apertado e uma blusinha. Fui sem sutiã só para aparecer mais sexy para ele. Quando saí ainda pensei: “Ele vai ficar louquinho quando me ver assim...”. E foi justamente isso que aconteceu. Deixei ele doidinho. Senti quando ele me encostou na parede do nosso Anexo Secreto e ficou me apertando contra a parede.
Acho que estou ficando louca, mas a cada dia eu fico com mais vontade de ver e pegar no pau dele. Sei que ainda é muito cedo, que não posso permitir essas intimidades. Talvez daqui algum tempo. Mas fico imaginando como aquela coisa deve ser. Andei dando uma olhada nos livros da biblioteca da escola, mas só encontrei desenhos. Queria ver umas fotos para saber qual o comprimento, a grossura e se era igual ao da revista que o Maurício mostrou na sala.
Deixei ele tocar nos meus peitos hoje. Ele aproveitou que eu estava sem sutiã e perguntou se podia por a mão. Ele disse que queria ver se eles eram durinhos mesmo! Como os homens são bobos! Ficar louco por causa de uns peitinhos. E eu vi nos olhos dele, quando ele apertou eles de leve, o quanto aquilo lhe deixava contente. Seus olhos brilhavam e pareciam que iam saltar para fora.
Eu também senti uma coisa esquisita quando ele ficou apertando meus peitos. Ainda mais quando ele espremeu o biquinho entre os dedos. Tive que mandar ele parar na hora, porque não sei o que poderia acontecer. Ele ainda tentou acariciar eles mais um pouco, mas eu disse que já tinha deixado o suficiente. Não sei não, mas será que estou deixando ele ir rápido demais? A gente se conhece há tão pouco tempo e já estamos nessa intimidade toda? Às vezes, eu tenho medo de me arrepender de tudo. O que vai ser da gente quando meus pais descobrirem que estou namorando um cara tão velho assim. E o que vai ser dele? Às vezes, eu tenho tanto medo de que tudo isso acabe de repente.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

HUGO CHAVES ME DECEPCIONOU


Algumas pessoas, tomadas pela ingenuidade que circula em suas veias desde o nascimento, pois me parece que certos seres humanos tem uma tendência maior a esse tipo de anomalia, tem certa dificuldade em identificar nos outros as mais escusas intenções escondidas por trás dos mais nobre gestos. E até aquelas mais inteligentes e melhor esclarecidas de quando em quando são vítimas desse mesmo mal, pois muitas vezes nos faltam informações suficientes para evitarmos um julgamento impreciso ou de cair no conto do vigário. Eu, como todo ser humano, não estou livre de, num dado momento, ver-me vitimado por pessoas acima de qualquer suspeita, embora saiba perfeitamente que o ser humano não deixa escapar em momento algum a oportunidade de seduzir e enganar seu semelhante. E, embora me seja difícil admitir, tenho de reconhecer que o presidente venezuelano Hugo Chaves não é aquilo que pensava antes. Como muitos venezuelanos, também acreditei que ele pudesse transformar a Venezuela numa nação próspera, onde as desigualdades sociais e a miséria tornar-se-iam coisa do passado. Todavia, como aconteceu com o Brasil durante todo o século XX, a dependência de um único produto de exportação levou o país à miséria. Embora a culpa não seja totalmente dele, a falta de visão e a incapacidade em encontrar mecanismos para evitar a bancarrota do país quando o preço do petróleo desabasse mostra que Chaves está muito aquém do que acreditávamos. Infelizmente, ele nos decepcionou.