quinta-feira, 14 de julho de 2011

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 19

Estava sentado na areia pensando no ato vergonhoso que acabara de cometer, quando um som diferente veio da floresta. Primeiro, foi uma espécie de urro; em seguida, estalos de folhas como se alguém ou alguma coisa se aproximasse. Aquilo me tirou de minhas divagações e me fez sentir medo e pavor. Ainda sob o efeito do pecado, sob o temor de que a minha alma estava perdida, de que as chamas do inferno fossem o meu destino achei que aquele som era da morte, que vinha me buscar pelo que tinha feito.
Como numa reação natural, levantei de supetão e me pus a correr em direção à água, onde Luciana se encontrava. E eu corri como um bandido em fuga. Ela me viu se aproximar com uma velocidade espantosa e resolveu perguntar:
-- O que foi? Tá fugindo da polícia?
Não consegui dizer palavra. Apenas me aproximei dela e virei de frente para o local de onde aquele som havia partido.
-- O que foi que aconteceu? – insistiu ela.
Com a voz trêmula de medo consegui falar:
-- Tinha alguma coisa lá – apontei.
Luciana olhou, mas não viu nada. Aliás, nem poderia; apesar da lua cheia, estava bastante escuro.
-- Mas o que era? – quis ela saber.
-- Não sei. Não deu para ver.
Ela parecia manter-se calma, como se não acreditasse nas minhas palavras.
-- Então como você sabe que tinha?
-- Por que eu ouvi.
-- Ah. Deixa de ser bobo. Não foi você mesmo quem disse que essa ilha é deserta? – lembrou-me ela.
Concordei. De fato não havia encontrado nada na ilha quando a rodeamos no primeiro dia. Só que eu tinha certeza de ter ouvido alguma coisa por entre os arbustos. Tive a impressão de tratar-se de um monstro ou até mesmo um grande animal. Talvez não fosse nada. Ou aquilo fosse tão somente produto da minha imaginação, consequência do medo de ser castigado por Deus por estar praticando atos libidinosos com Luciana. Como eu poderia saber que não estava fazendo nada demais? Eu estava agindo feito idiota pensar uma coisa dessas. Só que eu ainda era um rapazinho que não sabia quase nada da vida. Luciana, por ser mais velha e por convier num ambiente mais liberal, tinha mais experiência; aliás, bem mais experiência do que eu. Comparado a ela eu era quase um idiota. E sabia das minhas limitações. No entanto, isso não me impedia de ser o que eu era: um garoto. Aquela ilha transformar-nos-ia e nos faria todos perder a inocência, mas naquele momento havia uma barreira que me impedia de ir adiante: a religiosidade e consequentemente o temor do pecado. A ideia distorcida do pecado e a imaginação fértil para antever os mais terríveis castigos por cometê-lo me causava os mais terríveis dos medos.
-- Vem – chamou ela pouco depois. – Vamos voltar pra cabana antes que alguém acorde e não encontre a gente. Vão acabar pensando besteiras.
-- É mesmo – concordei.
Principiamos a sair da água. Ainda olhei na direção onde estivera momentos antes para ver se não havia nada.
-- Que negócio esquisito aquilo – disse ela quando saíamos da água. – Deixou minha mão grudenta.
-- Que negócio?
-- Ora! Não se faça de idiota! Aquilo que saiu dele – disse ela apontando para o meu falo.
Não lhe respondi. Até porque não sabia mesmo o que lhe dizer. Voltar a esse assunto me constrangia. Talvez por isso eu tenha me calado.
-- Foi esquisito quando ele saiu – afirmou ela com naturalidade, deixando bem claro que não se sentia constrangida em discutir o assunto. Aliás, estava bastante interessada em saber mais. Eu por minha vez me sentia o oposto: gostaria de não falar mais no assunto. Só que não queria dar o braço a torcer. Não queria que ela soubesse como eu estava me sentindo. Pois se ela percebesse, eu me sentiria ainda mais inferior e certamente ela usaria isso para tirar algum tipo de vantagem.
-- Esquisito como?
-- Você começou a se contorcer todo. E ele também. Ficou maior e começou a se mexer sozinho.
-- Ah...
-- Isso sempre acontece?
-- Ah, não sei. Nunca prestei atenção. Acho que sim...
-- Na hora você deu um gemido e aquilo começou a sair. O que você sentiu? – Estávamos chegando à cabana. O fogo ainda permanecia como havia deixado e aparentemente as meninas continuavam a dormir.
-- Ah, não sei explicar – quis encerrar o assunto. De fato eu não sabia como explicar o que sentira. Era como se algo se apoderasse de mim por alguns instantes e, ao me libertar, deixasse-me sem forças, sonolento, quase desmaiado. Como eu poderia dizer se nem eu mesmo entendia o que acontecia?
-- É bom ou é ruim? – insistiu ela.
-- Por que você quer saber?
Nisso entramos na cabana. Ana Paula e Marcela dormiam um sono profundo, como se estivessem em casa, nas suas próprias camas.
-- Só por curiosidade. Vai!... Diz! – insistiu ela.
-- É bom – respondi com certa rispidez, para que ela não me fizesse mais perguntas.
-- Eu imaginei – disse ela, sentando-se onde estava sentada pouco antes.
Houve um novo silêncio. Não durou por muito tempo, mas foi um silêncio terrível.
Nesse ínterim, pensei no som que ouvira. Eu não poderia ter me enganado. Havia alguma coisa se aproximando. E não era algo pequeno. Talvez já estivesse ali me observando a espera do melhor momento para me atacar. “Meu deus! Eu poderia ter sido devorado”, pensei. E ao ter esse pensamento, um frio correu pelas costas de cima a baixo e meu corpo tremeu por inteiro. “E se tiver algum monstro nessa ilha? E se ele nos atacar de noite, quando a gente estiver dormindo? Ele pode estar só esperando a gente dormir. Tenho que falar com elas. Temos que ter cuidado. Temos que conversar sobre isso amanhã”, continuei.
-- O que foi? – perguntou Luciana pouco depois.
-- Estou preocupado – respondi.
-- Com o quê?
-- Com aquele barulho que ouvi lá onde a gente estava – expliquei.
-- Você deve ter se enganado.
-- Não sei não – discordei.
-- Amanhã a gente dá uma olhada – sugeriu ela, encostando-se em mim e apoiando a face nos meu ombro direito.
Houve mais um silêncio.
Não tardou para que ela adormecesse novamente.
Fiquei ali, aguardando mais um pouco até chegar o momento de despertar as outras duas para vigiarem a fogueira. Nesse ínterim tentei pensar no dia de amanhã; no entanto, a lembrança daquele som estranho não me saia da cabeça. Era como se minha vida tivesse corrido um grande risco. Eu não queria admitir, mas estava morrendo de medo. Essa era a verdade.

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