sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 54


-- Estou gostando de ver – disse Luciana quando, não muito após chegar àquele ponto aonde estava acostumado pescar, peguei o primeiro peixe. -- Você até que não é tão inútil assim – deixou escapar.
-- Eu não sou um inútil! -- exclamei, com a raiva dominando-me. E súbito, ocorreu-me de pegar aquela lança e trespassá-la como fizera com o peixe. Cheguei inclusive a olhá-la enquanto imaginava: “Podia enfiar ela na barriga dela. Ia vazar nas costas. Ia demorar a morrer. Ficar estrebuchando ali. Horrível! Isso ia ser. Não. Assim não. No pescoço dela. Ia matar ela mais rápido...”
-- O que foi que você está me olhando assim com essa cara de mau? -- interrompeu-me ela os pensamentos.
-- Nada, não. -- desviei o olhar envergonhado.
-- Vai! Anda! Pega outro!
Aguardei. Logo apareceu um maior do que eu havia pescado. Observei e aguardei que ele parasse por alguns instantes. Enquanto isso, mirei-o lentamente, sem fazer o menor barulho. Luciana viu que eu me preparava e manteve-se em silêncio, afim de não espantá-lo e nem me atrapalhar a concentração. Súbito, lancei a vara. A ponta chegou a acertá-lo de raspão, mas não o fisgou. Desapareceu da minha vista.
-- Errei o desgraçado! -- comentei enquanto me abaixava para apanhar a lança. -- Preciso melhor a pontaria. Ainda erro de vez em quando.
-- Por que você não faz um alvo e treina na cabana? -- sugeriu ela.
-- É mesmo! Não tinha pensado nisso!
-- Não se preocupe! Sua mulher está aqui para pensar por você – disse ela com entusiasmo, entonando a palavra “mulher” como se fosse a palavra mais especial que ela conhecia.
-- Mulher? Eu não sou teu marido! A gente não é casado. E num quero ser.
Ela me olhou com aquele olhar feroz, o qual me atirava todas as vezes em que eu a contrariava. Aliás, nada a irritava mais do que isso.
-- Não precisa casar para ser marido e mulher, seu idiota! Se vivem juntos já são. E você é o meu marido. A gente mora juntos e até já transamos. Então o que somos então?
-- Sei lá! -- retruquei. -- Mas seu marido eu não sou. E nem quero ser.
-- E quem disse que você tem escolha, seu idiota? Eu quero que você seja o meu marido e pronto. E um marido fiel! Por isso vou te lembrar mais uma vez: se você me trair com uma daquelas duas vadias, eu te mato e depois ela – ameaçou-me mais uma vez. Aliás, Luciana não perdia uma oportunidade de manter-me sob o terror. Ela parecia estar certa de que assim manteria completo controle sobre mim. E de fato ela estava certa. Eu temia não por mim mesmo, mas por Marcela e por minha prima. Sabia do que Luciana era capaz.
Silenciei. Não havia outra coisa a fazer.
Momentos depois consegui fisgar outro peixe. Isso nos descontraiu e trouxe de volta a amistosidade entre a gente. Tanto que perguntei-a se não queria retornar. Ela respondeu-me que não, que era eu pegar outro peixe e ai a gente retornaria.
-- Então, vou pegar um para você – falei sem pensar. No entanto, só queria agradá-la e mantê-la feliz a fim de não se zangar com Marcela e Luciana.
-- Quero ver – disse ela alegremente.
Enquanto esperava surgir uma presa, pensei nas duas. E uma sensação de medo, de que algo pudesse acontecer-lhes naquela mata foi me consumindo. Cheguei inclusive a ficar tão agoniado, querendo voltar depressa para a cabana a fim de saber se estava tudo bem com elas que pensei em desistir de pescar mais um peixe. Todavia, se o fizesse, acabaria irritando Luciana. E foi isso que me impediu de desistir.
Levei o dedo aos lábios, fazendo sinal para que ela não fizesse barulho. Luciana falava de seus últimos dias na escolha e do que fazia com os meninos na escola. Falava com naturalidade, vangloriando de seus feitos, como uma puta relembrando os grandes momentos do passado. Chegou inclusive a contar que, durante uma aula, saíra para ir ao banheiro e, ao deparar com um garoto de outra classe com o qual andava flertando, arrastara-o para trás da biblioteca e ali levantou a blusa, deixou-o chupar-lhe os seios enquanto ela acariciava-lhe o “pinto” até ele quase gozar. Perguntei-a o que ela fez e ela me respondeu rindo que “quando ele começou a gemer e a se contorcer todo, larguei o pinto dele e saí correndo. Sabia que ia esguichar aquela coisa e melecar minha mão.” Depois falou de Carlinhos. “eu já tinha deixado ele pegar e chupar os meus peitos e abaixado a calcinha para ele bater uma punheta na minha frente. Ele também já tinha deixado eu pegar no pinto dele e brincar com ele. Mas eu queria mais. Queria sentir o pinto dele em mim. Aí um dia que quase não tinha ninguém na escola, a gente se trancou no banheiro e eu deixei ele por o pinto dele no meio das minhas pernas e ficar metendo em mim. Só não deixei ele enfiar. Pena que ele gozou logo e melecou as minhas pernas todas com a porra dele.”
O que me deixava surpreso não era o fato dela ter feito essas coisas. Isso era bem da cara dela. Mas a naturalidade com que me contava. Não demostrava o menor sinal de vergonha ou arrependimento.
-- Pimba! -- falei quando vi o peixe estrebuchar na lança.
-- E esse é grande! -- exclamou ela, quando levantei a lança e aproximei-lhe o peixe fisgado.
-- Bom, por hoje chega! -- falei. -- Vamos voltar. Precisamos pôr mais lenha na fogueira se elas ainda não chegaram. -- acrescentei, lembrando que deveria dizer a palavra “não” corretamente, pelo menos na presença dela.
Luciana espetou os peixes pescados anteriormente na vara e retornamos para a cabana.
Quando chegamos, não havia ninguém. Isso me preocupou. Tanto que não pude deixar de comentar:
-- Elas estão demorando... Será que aconteceu alguma coisa?
-- Claro que não! Elas só não voltaram ainda. Vai ver que estão lá em cima curtindo a paisagem. Tem uma bela vista lá de cima. Quando a gente foi lá, eu queria ficar mais. Mas você, seu medroso, estava quase borrando nas calças que preferi voltar para não deixar você passar mais vexame. Elas pelo menos vão poder ficar lá em cima o tem que quiserem. E depois que elas voltarem e você ver quer não tem nada, que essa história de bicho é imaginação da sua cabeça, a gente vai voltar lá em cima e apreciar aquela vista maravilhosa.
-- Você não quer acreditar, mas eu sei que tem alguma coisa naquela mata – falei, jogando mais alguns gravetos no fogo.
Talvez eu estivesse errado. Talvez eu realmente estivesse imaginando tudo aquilo, mas quando acreditamos em algo, não há quem consiga nos demover. As religiões estão aí para provar. Certo ou errado, eu só sossegaria quando Marcela e Ana Paula estivessem de volta, sãs e salvas.
Luciana sentou numa das camas e chamou:
-- Vem cá! Deita um pouco aqui comigo.
-- Mas as meninas podem chegar a qualquer momento – falei, sem desviar os olhos da fogueira.
-- Elas ainda vão demorar. Aposto! E também o que tem elas verem a gente juntos. Você é meu! O meu homenzinho. Ou melhor: o meu maridinho. A partir de agora vou te chamar de meu maridinho! Vem cá, vem! Vem dar um pouco de carinho a sua esposinha.
-- Eu já disse: num sou seu marido! -- exclamei, irritado!
-- Não importa que você não queria ser. Eu disse que é, então vai ser e pronto. E é bom que aquelas duas vejam a gente juntos. Assim aquela vadia desiste de você de uma vez por todas. Porque dela, você não vai ser nunca. Isso eu posso te garantir. E anda! Vem logo! -- ordenou, estendendo o braço e me puxando, o que fez com que eu me desequilibrasse e caísse para trás, sobre o monte de gravetos.
Por pouco não caí em cima da fogueira.
-- Já disse que não quero! -- repeti.
Súbito, ele apanhou um graveto da fogueira, cuja ponta estava em brasa, e ameaçou-me:
-- Se você não vir, seu viadinho, eu juro que apago a ponta dele em você. Não sei se você já se queimou alguma vez, mas posso te garantir que não há dor mais terrível. Ainda mais ai nos teus ovos. Aposto como você vai se mijar e se cagar de tanta dor. E aí? Vai me obedecer ou não? -- perguntou ela por fim, agitando o graveto em minha direção, como se fosse uma espada.
Devido aos movimentos, a brasa pareceu mais viva, o que me fez sentir um medo terrível. Eu sabia que ela era capaz de cumprir com suas ameaças. De forma que, sem alternativa, acabei cedendo.

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