quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A MENINA DO ÔNIBUS - Capítulo I/2

No dia seguinte por duas vezes cruzei aquela mesma rua. Foi a forma que encontrei de topar com ela sem levantar suspeitas. Da primeira vez, no entanto, não obtive sucesso; contudo, da segunda encontrei-a sentada no meio-fio conversando alegremente com a mesma amiga. Cheguei a pensar que talvez não fossem se lembrar de mim. Ao me aproximar para cumprimentá-las, deram-me um largo sorriso. Aliás, Ana Carla foi mais comedida, dando a impressão de tratar-se de uma menina reservada e tímida. Tanto que a outra adiantou-se:
-- Você por aqui de novo?
-- Um amigo está montando uma rede de computadores em sua casa e pediu-me para ajudá-lo. Mora na outra rua – menti-lhes. Aliás, a ideia de dizer-lhes que o suposto morador vivia na outra rua e não na mesma em que me ocorreu quase instintivamente, como uma forma de me proteger, pois talvez conhecessem todos os habitantes daquela rua o que talvez as levassem a me fazer perguntas, as quais eu não teria respostas. Assim, citar um morador de outra rua, sem especificar qual, as chances seriam menores. -- E aqui estou eu de novo.
Sei que estou sendo um pouco longo demais; talvez até um pouco maçante, mas eu queria tão somente mostrar como a visão daquela menina levou-me a perder a cabeça e a arriscar tudo por algo que estava condenado, desde o início, a um final infeliz. Não pensem que eu não tinha consciência disso; sabia muito bem onde estava me metendo. No entanto, quantas e quantas vezes fazemos conscientemente algo de “errado” por não sermos fortes o bastante para resistir à tentação? Aliás, no caso de Ana Carla, como não o ser? Ela era mais que uma tentação, algo além da razão, algo que só pode ser creditado a uma perda temporária da capacidade de ponderação. De uma forma que não sei explicar, tudo em mim convergia em sua direção. Meus pensamentos, outrora um lago, de um instante para outro fizeram-se mar, um mar revolto como numa tempestade.
Não foi por acaso que voltei àquela rua no outro dia, no outro e no outro. E voltaria tantas vezes quantas fossem necessário para vê-la e falar-lhe. Precisava lentamente ir adquirindo sua confiança e tornando-me íntimo. Sabia que só assim poderia conhecer seus hábitos, a vida que levava e até seus sonhos para então ter alguma chance de possui-la, já que naquele momento este me era o único objetivo. Sabia também que teria de me apresentar impecavelmente trajado e de forma mais jovial possível; por isso, mesmo nos dias de mais calor, eu não descuidava do guarda-roupa. Quando se trata de uma conquista, tanto para o homem quanto para a mulher, o guarda-roupa diz exatamente o que a pessoa é. Um traje fino, elegante e ao mesmo tempo discreto mostra o quanto de inteligente e comedido é aquele que o usa, enquanto que outro, mesmo com rupas mais finas mas sem combinar, pode perfeitamente demonstrar não só falta de inteligência como também tratar-se de uma pessoa tempestiva, capaz de cometer exageros até mesmo diante de todos. Embora provavelmente ela não soubesse disso, a elegância só haveria de me render frutos. De mais a mais, era preciso fazê-la despertar o interesse por mim; e malvestido é que não conseguiria mesmo. Até porque minhas chances não eram nada animadoras; aliás, mais fruto de um devaneio que de uma possibilidade real.
No terceiro dia encontrei-a caminhando sozinha pela rua. Disse-me estar indo à casa de uma amiga. Para estender a conversa, perguntei-lhe se era na casa da amiga que estava no ônibus. Ela disse que não.
-- É da Fernanda, uma colega da escola – explicou.
-- Já sei! Final de ano, provas. Vão estudar juntas?
Ela titubeou por alguns instantes. E por fim contou-me ter perdido o caderno e estava indo à casa da colega para pegar a matéria, pois teriam prova no outro dia.
Pensei em perguntar-lhe onde estudava, em qual série e período, mas fiquei receoso de parecer petulante, querer saber demais. Tudo tinha sua hora e no momento preciso essas perguntas seriam respondidas. Agora, o mais importante era criar um elo de ligação entre nós dois, um laço a nos mantermos unidos. Isso inclusive me ocupou por duas noites seguidas, onde não fiz outra coisa a não ser ficar na cama, com os olhos fixos no teto enquanto procurava um meio de dar um passo definitivo, um bote certeiro para não acontecer o que aconteceu com uma jovem cujo nome já não recordo mais, onde numa falha perdi a chance de seduzi-la. Aliás, tratava-se de uma estratégia bastante conhecida. Pensara por uma ou duas noites nos passos, nos possíveis erros e acertos, tal qual um estrategista que, na eminência de uma grande e decisiva batalha, tenta adivinhar cada passo do inimigo e assim na forma de neutralizá-lo. Talvez por isso meus planos vêm dando tão certo nos últimos anos. Exceto uma ou duas, quase todas acabaram se iludindo de alguma forma.
Assim, dei o primeiro passo.
Contei-lhe que no dia anterior estava passeando pelo Shopping e, ao parar diante de uma loja, vi uma coisa que me fez lembrar dela (aliás, esta desculpa não era nova. Surgiu por acaso alguns anos atras, quando após encontrar uma jovem caixa de supermercado, a imagem dela voltou-me à memória aso passar diante de uma perfumaria. Talvez o cheiro de algum perfume tenha sido a causa dessa lembrança, embora não me recordasse de que ela usasse algum. O fato é que acabei comprando-lhe um perfume, o que me rendeu momento de intenso prazer, pois Tatiana não era dessas mulheres que confundem amor com sexo. Saímos umas três ou quatro vezes até que não houve mais nada a buscar um no outro. E, sem ressentimentos, cada um de nós seguiu o seu caminho). Ela deu um sorriso e quis saber o que era. Não contei. Este era o meu plano: despertar-lhe a curiosidade, o interesse. Não é esse o traço marcante dos jovens nos anos de adolescência? Só lhe disse que não o comprei porque não sabia se ficaria bem comprar um presente para uma garota que não conhecia. Que desculpa!
-- Se você quiser dar não tem nenhum problema -- respondeu-me ela, demonstrando grande interesse.
“Pimba! Fisguei. Esta está quase lá”, pensei, quase dando pulos de alegria, o que me levou a procurar forças para manter a calma, a fim de não deixá-la perceber um certo exagero em minha afetação.
-- Então eu vou comprá-lo. Mas não vou te contar o que é – falei com um sorriso contido. -- Amanhã cedo, se arrumar um tempinho, eu dou um pulo lá e compro. Se não der eu vou à noite. -- Meu coração parecia querer saltar. Digo isso não no sentido de sentir algo por ela feito alguém fisgado pela flecha do amor, mas sim devido à alegria de estar mais uma vez obtendo sucesso na arte da sedução, mais precisamente ao seduzir uma jovem capaz de me proporcionar grandes momentos de prazer. Sabia que ali estava a oportunidade imperdível de cair nas graças dela. O menor erro, o menor descuido e tudo perder-se-ia para sempre. Aliás, o que difere os vencedores dos vencidos é justamente a força com que se agarra uma oportunidade. O vencedor nunca a deixa escapar, por mais que lhe pareça impossível. -- Só não sei como fazer para te dar. -- Quis testar o seu grau de cumplicidade. Ela evidentemente sugeriria alguma coisa, e era isso que eu precisava para dar o próximo passo, pois este dependia do que ela dissesse ou sugerisse.
-- A gente combina uma hora e você passa aqui, eu te espero e você me entrega.
-- É! Pode ser -- exclamei, tentando demonstrar indiferença.
Confesso ter ficado desapontado. Esperava algo mais ousado. Diante da sua casa, aos olhos de todo mundo? Não, não. Assim não daria certo. Era preciso um lugar afastado, onde houvesse privacidade, onde o perigo de seus pais ou um vizinho nos surpreender fosse se não de todo eliminado pelo menos reduzido à quase zero. De forma que me foi preciso agir rápido, propôr-lhe algo ao mesmo tempo ousado mas sem que ela pudesse negar. Assim, declarei-lhe que na sua casa não ficava bem porque seus pais poderiam interpretar mal aquele gesto.
-- Eu posso te esperar ali na esquina e você me entrega. Que tal? -- sugeriu.
-- Tá bom então.
Naquele instante tive certeza de que o peixe só não fora fisgado como estava em minhas mãos. Por isso prossegui:
-- Vou fazer melhor ainda. Vou te dar o número do meu celular e aí você me liga. Assim que eu o comprar, a gente combina o local -- propus, tentando manter o controle da situação enquanto a cercava, sem dar-lhe tempo para pensar no certo ou errado, pois quando se sugere muitas coisas de uma vez, o interlocutor fica perdido, confuso, sem saber ao certo o que responder. -- Não é melhor?
-- Hum.. rum... -- assentiu meneando a cabeça.
Peguei um pedaço de papel e anotei o meu nome e o número do telefone. Depois lho entreguei dizendo-lhe para não perdê-lo. Ela, com um sorriso, pois parecia bastante à vontade, disse-me que não o perderia por nada deste mundo.
Quase estendi o braço para tocá-la. Desejava desesperadamente sentir a maciez de sua tez; todavia, no momento em que comecei a erguê-lo, recuei. E temeroso em dar um passo em falso, pois se continuasse era o que acabaria acontecendo, como acontecera com Maria Paula onde a pressa pôs tudo a perder, despedi-me dizendo:
-- Tchau! Um beijo.
Ela por sua vez despediu-se apenas com “tchau”, como quem gosta de economizar palavras, embora eu suspeitasse que o meu “um beijo” tenha sido a causa desse comedimento. Ela pode ter se surpreendido e ficado sem jeito, o que seria muito natural. Eu não devia ter me apressado, dado um passo largo demais, pois é nessas horas que o apressado come cru. Mas estava feito. E que está feto não tem volta. O melhor era não cometer outro erro. Um erro pode ser remediado, mas dois é impossível.
Bem, deixemos os erros de lado por hora. Enquanto me afastava, era tomado por uma euforia desmedida. Dir-se-ia sofrer um acesso de bobeira. Tanto que, ao me deparar no meio da rua com uma vazia e esquecida latinha de cerveja, sai chutando-a, sem imaginar que quem me visse fazendo aquilo poderia achar que eu não batia bem das ideias. Talvez isso me haja escapado justamente porque meus pensamentos vislumbravam momentos inesquecíveis com Ana Carla. E embora se tratassem de devaneios, o meu quarto num final de tarde era o cenário para momentos de prazeres intensos, onde nossos corpos lutavam desesperadamente para alcançá-lo, como se ela, ao invés de uma jovem inexperiente, fosse na realidade uma mulher, cuja experiência poderia ser equiparada a de uma profissional do sexo.

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