quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A MENINA DO ÔNIBUS - Capítulo I/1

Não raras vezes, as coisas acontecem sem que se tenha uma explicação. E vez ou outra, quando a temos, esta não é suficiente para elucidar nossas inquirições, o que acaba geando uma inquietação da qual não temos a menor idéia de como agir para pô-la a termo; uma inquietação que se torna obsessão e conseqüentemente um grave problema, levando a desfechos imprevisíveis, os quais na mais das vezes a um final infeliz, cujas conseqüências poderiam ser evitadas se déssemos menos ouvidos ao coração. Pois foi algo assim que me veio acontecer.
Ainda não era verão, embora o rubro e ardente sol já salpicasse a pele dos banhistas que permaneciam na praia até mais tarde. Talvez por morar numa cidade rodeada de belas praias ou ter uma certa aversão aos raios solares, eu não sentia aquele fervor em freqüentá-la. Além de não dispor de tempo, não havia companhia, o que tornava a ida à praia desagradável e até solitária embora a praia talvez seja um dos locais onde haja mais pessoas por metro quadrado. E quando havia, muitas vezes preferia fazer outra coisa, ir a outro lugar onde não ficasse tão exposto a um público cujo mundo me parecia tão distante do meu. Às vezes porém abria uma exceção, mais com o intuito de contemplar aqueles corpos jovens, cheios de virilidade, aqueles traseiros redondos, aqueles seios grandes implorando para serem chupados (pois muitas jovens parecem fazer o possível para causar essa impressão nos homens), e quem sabe, encontrar uma boceta para atravessar a noite embebecido no vinho do prazer e esquecer os inevitáveis aborrecimentos do dia-a-dia. Porque se há uma coisa que o homem está em constante e incansável busca é do prazer, pois a meu ver está é a única forma de tornar a vida suportável, menos entediante. Queiramos ou não, é o prazer -- seja ele sexual ou não -- quem faz girar as engrenagens do mundo. Sem prazer a humanidade não mais existiria há séculos. Teriam todos se matado de tédio; aliás como vem acontecendo recentemente em alguns países desenvolvidos, onde a estabilidade social e econômica me parece fazer crescer o tédio, a sensação de que nada acontece.
É nos fins de semana que mais as encontramos. Muitas saem dos bairros mais afastados e, em pequenos bandos, tomam o ônibus até a orla. Por volta das 17:00 horas muitas retornam com seus corpos bronzeados, num tom avermelhado escuro, sem noção do mal que aquele excesso de sol faz-lhes à sensível pele.
Era um belo e ensolarado dia de novembro -- uma sexta-feira para ser mais exato --, quando tomei o ônibus do trabalho para a casa. O sol ainda mostrava a sua força embora passasse das dezoito horas. Aliás, estava desesperado para chegar em casa, tirar aquela roupa desconfortável -- vestia uma camisa de tergal com listras verticais brancas e azuis, uma calça jeans e calçava sapatos pretos --, tomar um banho, pois minha aparência, de fadiga e desânimo por ter de tomar um ônibus e viajar ao lado daquelas pessoas desagradáveis, não era de toda esplêndida, e então pegar um livro, sentar-se diante do ventilador e deixar as horas passarem, fluírem como as águas de um rio, uma vez que não há remédio melhor que o ócio para diluir a fadiga de um dia cansativo de trabalho.
Naquela sexta-feira por sorte haviam poucos passageiros, pois não há nada pior do que um ônibus lotado, com as pessoas esfregando-se umas nas outras feito porcos amontoados em chiqueiros; e quando finalmente se chega ao destino cheira-se a tudo, menos a si mesmo. É um horror! Há pessoas que parecem nunca terem tomado banho na vida. E há ainda aqueles que, para disfarçar o odor, banham-se com perfume barato, cujo cheiro enjoativo misturado ao próprio cheiro é capaz de provocar ânsias. Por isso, na mais das vezes, vou no meu próprio carro para o trabalho. Mas havia dois dias que este estava no conserto devido a um problema no motor.
Para dizer a verdade, nas poucas vezes em que tomara o ônibus, não me dei ao trabalho de reparar em quem entrava ou saia. Ninguém ali poderia me interessar e para ser franco achava que aquelas pessoas – a maioria oriunda das classes mais baixas da população – não estavam a minha altura. Assim, subia, pagava, passava pela catraca e ia sentar num banco desocupado, de preferência onde não houvesse ninguém. Mas se isso não era possível, procurava sentar ao lado de uma jovem. Os jovens são sempre mais limpos, perfumados, pois se preocupam mais com a aparência, talvez porque sentem mais necessidade de se parecerem belos, higiênicos e atraentes. Então aproveitava o trajeto, cuja distância era razoavelmente longa, para por as idéias em dia. E todos os dias, fazendo aquele mesmo percurso de carro ou ônibus, eu me perdia em pensamentos fúteis os quais não seria capaz de lembrar minutos depois, exatamente por se tratarem de futilidades, por ser uma forma de esvaziar a mente e deixar de lado as preocupações do dia-a-dia ao mesmo tempo que dá algum prazer ao ego, como num sonho embora permaneçamos acordados. Aliás, tenho de confessar que a futilidade é predominante nos devaneios humanos, não porque a maioria das pessoas comuns não sabe pensar em outras coisas que não seja em futilidades, mas devido ao fato de estas nos causar algum tipo de prazer.
Alguns pontos adiante, o ônibus começou a encher. Sei disso porque de tempos em tempos meneava a cabeça e fitava com indiferença aqueles passageiros, aquelas pessoas quase sempre mal humoradas, como se tivessem insatisfeitas com a vidinha insignificante que levam embora incapazes de fazer alguma coisa para melhorá-la e torná-la um fardo menos pesado.
Mas eis que ouço uma doce e meiga voz, feito uma voz de menina, se aproximar do outro lado do corredor. Era som encantador, feito a voz de uma sereia a adentrar-me aos ouvidos, provocando-me uma sensação de indizível prazer, uma sensação possivelmente mais intensa que aquela experimentada pelos tripulantes da nau de Ulisses. Os pensamentos desvaneceram-se como num passe de mágica, como se após ouvir baterem à porta no meio da noite se desperta do sono bem no meio de um sonho. Uma curiosidade inquietante apoderou-se de mim e, sem compreender o que se passava, pois algo semelhante jamais tinha me acontecido, girei a cabeça e, como que atraído por uma estanha força, lancei um prestante olhar àquela desconhecida, que num jogo de sedução mexia nos cabelos.
Gostaria de descrever com detalhes o que senti naquele instante, mas não sei como. Acredito tratar-se de uma sensação ímpar, indescritível, de uma sensação aguda, voluptuosa que me fez o sangue arrefecer-se nas veias, dando-me a perturbação deliciosa de uma vertigem; mas também foi um descontrole, um não saber o que fazer e o que pensar. Ah, querido leitor! Foi algo grandioso e mágico, um arrebatamento que só se experimenta uma única vez na vida. Dir-se-ia recompensado por ter de viajar ao lado daqueles seres tão desagradáveis e irrelevantes.
Como era ela? Não dava para saber. Estava de costas, embora nem fosse preciso estar de frente ou de perfil para que eu deduzisse sua beleza. Percebia-se tratar-se de uma adolescente de 15 a 17 anos, talvez mais. Tratava-se de uma jovem de cor parda, viçosa como as meninas nessa idade, e com as formas ainda meio que indefinidas. Calçava chinelos e vestia um shortinho vermelho, o qual não cobria totalmente as nádegas. Na parte superior do tronco viam-se amarradas duas tiras azuis, provavelmente pertencentes ao biquíni. Estava acompanhada por outra jovem aparentando a mesma idade. Quando ela virou a face para falar com a outra, pude delinear com mais clareza os contornos de seu rosto. Era simplesmente bela. Era um rosto redondo de olhos grandes e lábios carnudos. Dir-se-ia uma verdadeira e inigualável obra de arte, daquelas que só um gênio, no ápice da inspiração, é capaz de criar.
Mas como tamanha beleza poderia estar misturada a tanta falta de traços, num ônibus daquele, de subúrbio? Seria ela uma turista, alguém que o tomou por acaso? Não parecia pertencer ao mesmo mundo daquelas pessoas. Ou a voz daquela jovem havia me enfeitiçado, feito com que meus sentidos tornassem falhos, levando-me a ver miragens? O que teria-me causado isso?, foi a pergunta que eu deveria me ter feito.
Não sei ao certo o que nela me despertou aquelas sensações, pois não sou do tipo que reage de forma desmedida assim. Não sei se foi a parte inferior das nádegas ou o pedaço de pano ocultando o restante, combinando tão perfeitamente com sua pele jovial e lisa. Talvez fossem os traços, todos eles, que, ao criarem uma forma, esta se assemelhava às formas criadas pelos grandes mestres. Só sei que senti algo novo, desconhecido, mais intenso do que sentira por qualquer uma das mulheres com quem saíra em todos esses anos. Admirável! Singular! Arrebatador! Seriam essas as palavras que poderiam ser usadas por alguém que sabe admirar tamanha obra de arte? Realmente não sei. Mas para aqueles jardineiros que sabem identificar a mais perfeita rosa num roseiral, aquela era uma. Uma ninfeta! A mais sedutora que eu vira até então.
Em segundos, fui tomado pelo desejo de possui-la, de me apossar daquele corpo, como um objeto de desejo, como algo que de tão belo torna-se irresistível. Aliás, o desejo de posse é a primeira reação de qualquer ser humano diante de algo assim, embora desejamos não o objeto do desejo, mas a idéia que fazemos desse objeto. Pensamentos e reações agiram sobre meu corpo. Era como se ela tivesse o poder de afetar-me a alma e hipnotizá-la. Meus olhos não conseguiam se-lhe desviar, embora em nenhum momento o tenha tentado. Dir-se-ia que diante de tamanho fascínio os demais passageiros fossem como sombras, como se não existissem, como se estivessem e não estivessem ali ao mesmo tempo.
Enquanto o ônibus avançava de ponto em ponto, recolhendo e despejando mecanicamente passageiros, meus olhos mantinham-se-lhe fixos quase o tempo todo, captando cada movimento seu, cada palavra que dizia à amiga, cada sorriso, cada detalhe de seu corpo sedutor. Aliás, apesar da distância, quase podia-lhe sentir o perfume, o cheiro de sua tez bronzeada. E quanto mais eu a contemplava, novas sensações e reações se misturavam dentro de mim, levando-me a se perder em pensamentos, os quais me fariam corar se alguém os conhecessem, onde aquela jovem era a estrela. Procurava-lhe os mínimos detalhes para alimentar meus devaneios, para tornar aqueles pensamentos agradabilíssimos e intensos. Pois mesmo para aqueles que declaram que o que conta é a pureza do amor¸ ente um homem e uma mulher o instinto sexual é quem dita o tom. E em alguns, como no meu caso, o sexo, o vislumbramento do prazer sexual assume uma conotação ainda maior. Por isso, desde que me separei de Luciana, não consigo me aproximar de uma mulher sem antes calcular o quanto de prazer posso extrair-lhe.
Em dado momento, quando ela se virou para o lado, meus olhos agarraram-se-lhe os seios. Eram eles ainda pequenos, indescritivelmente encantadores. Encobertos pelo biquíni, despertavam-me uma curiosidade peculiar. Eu os imaginava o quão seriam rígidos, belos e delicados.
"Ah! Como eu gostaria de apertá-los entre meus dedos! Tê-los em meus lábios e morde-los!... Aposto que ela ia ficar. Bicos duros, todo arrepiado. Louca de tesão...", pensei enquanto o ônibus deixava a avenida principal e entrava numa das ruas transversais. "Ah, se eu pudesse tê-la para mim!... A gente numa cama de motel. Motel, motel não! Na minha. Nossa! Eu ia levá-la à loucura! Morder aqueles peitinhos lentamente... Ela ia gritar: ai. Não, gemer, suspirar: Aaaaiiii. Depois deitá-la nuazinha, arreganhar suas coxas. Que coxas! Olha só! E chupar sua xoxotinha até ela gemer de prazer... Talvez nem fizesse isso! Só me deitasse sobre ela e, escorregando no meio de suas pernas, fosse penetrando-a bem devagarinho e sentindo o gostinho da xoxotinha bem aperta dela. Assim não! Muito sem graça. Contemplar, olhar para aquela xoxotinha arreganhada. Flor desabrochada. Parece mesmo. Vermelho-escuro. Deve ser a cor dela. Uma rosa vermelho-escuro. E depois? Por trás. Ah, que prazer enorme! Ah, como seria delicioso sentir meus quadris batendo na bundinha dela!... Ah! Acho não ia agüentar. Caramba! Estou excitado! Nunca imaginei que poderia encontrar uma coisinha tão encantadora assim neste ônibus!... Ir lá, chegar mais perto. Ela não vai desconfiar. Esbarrar nela de leve. Peço desculpa. Ela ia me notar. Ah, ia sim. Não, sem pressa. Ela não vai descer agora. Deve morar em Vicente de Carvalho. Continua ali, despreocupada, indiferente. Deve estar dizendo algo engraçado. Rindo. A outra também.” Nisso, o ônibus parou por causa do trânsito, do grande fluxo de carros. Um passageiro começou a reclamar, embora parecesse falar consigo mesmo. Isso desviou minha atenção por alguns instantes. “Idiota! Eu querendo que demore e ele que vá depressa. Também, ele não tem porquê! Não mesmo! Se ele olhasse para ela e a desejasse como eu, não teria tanta pressa. Nem ia se preocupar com o trânsito. Virou. Ela virou em. Linda! Tenho de possuir ela. Possui-la é o mais correto. Mania que a gente tem de usar o pronome errado. Ela também usa. Aposto. Mas quem liga para isso? Quero aquele corpinho. Isso é o que importa. Quero que ela sinta meu peso, a força de meus quadris, a dureza do meu pau tirando o seu cabaço, seus olhos se contraindo, suas mãos me empurrando enquanto é deflorada. Não. Vou segurá-la pelos braços. Ela vai implorar para eu parar. Todas fazem isso. Ah, mas não paro. E vou gozar até acabarem as forças... Ah, que besteira a minha! Cada pensamento. Ninguém goza até perder as forças. O desejo, o prazer acaba antes”.
O trânsito continuava lento por causa do início de temporada. Outrora eu me irritava e ficava impaciente com isso, feito aquele passageiro que continuava a reclamar da lentidão, como se alguém fosse o culpado pela cidade estar cheia, mas sem chegar ao extremo de pensar alto. Esbravejaria calado. Agora porém só desejava que o ônibus demorasse o máximo possível, levasse uma eternidade até o meu ponto. Eu apenas queria continuar a apreciar aquela ninfeta, desejá-la, comê-la com os olhos como dizem por aí, e me perder em fantasias, uma vez que o homem tomado pelas chamas da volúpia é capaz de atingir um grau de imaginação jamais alcançado em qualquer outro momento, pois o excitamento sexual acaba excitando os demais órgãos, tornando-os mais aguçados, mais sensíveis ao ambiente.
"Qual será o nome dela? Onde mora? Virgem, será que é?... Ah, isso deve ser. Muitas meninas nessa idade ainda não experimentaram uma pica. Pica? Que palavra ela usaria para se referir ao meu pau? Pênis!? Não. Pinto talvez. Que nem aquela vadia com quem transei outro dia. Dezessete anos a cadela. Ela dizia 'teu pinto' de forma tão impessoal. Aquela outra já dizia 'Bilau'. Bilau. Que nome! E aquela filha da empregada? 'Godofredo'. Que apelido mais horrível! É capaz de fazer um homem brochar. Também, de uma pobre infeliz como aquela não se podia esperar muito mesmo. E depois ainda ficou pensando que eu queria alguma coisa com ela. Vadia! Nem para se pôr no seu lugar. Agora esta aí me parece mais delicada, mais sutil. Não usaria um nome desses. Ah, mas bem que eu gostaria de saber que nome daria... Mas o que adianta isso! Ela nunca vai querer nada comigo ou um homem assim como eu... Como posso pensar isso? No fundo não passa duma menina. Menina? Com aquele corpo? Duvido! Mas bem que algumas nessa idade já experimentaram coisas que até Deus duvida! Mas ela só deve se interessar por garotos de sua idade. Só deve pensar em beijinhos e nada mais. No máximo umas carícias íntimas". Meus pensamentos não paravam de fluir, assim como meus olhos teimavam em não se-lhe desviar. Vez ou outra, ela jogava a cabeça para trás sem ter verdadeira consciência de seus atos, talvez a fim de observar furtivamente os passageiros no ônibus. E inevitavelmente nossos olhares se encontraram de relance, embora provavelmente ela nem tenha se dado conta. Quando isso aconteceu, minha face abrasou, fiquei desconcertado e, por alguns instantes, movi os olhos para baixo meio que envergonhado, como se lhe fosse possível adivinhar meus pensamentos.
Mais eis que de repente as duas meninas se dirigiram à porta. Meu ponto ainda estava longe, então pensei: "Vou descer aqui e ver aonde ela vai... Não estou com pressa mesmo de ir para casa. Vai ser interessante segui-la, descobrir onde mora. Assim fica mais fácil de fazer um contato, ver se tenho alguma chance. Chance tenho. Não há mulher que não possa ser iludida, feita de idiota. Ainda mais uma adolescente, uma pobre coitada como essa. É presa fácil. Deve ser naquele ponto. É melhor me apressar. Não posso perder essa menina...". Levantei e me aproximei da porta para aguardar a parada do ônibus, então aproveitei a chance para iniciar uma conversa e assim tentar arrancar-lhes alguma coisa.
-- Que trânsito! Parecia que não chegaria nunca – falei.
A amiga fitou-me surpresa, pois deduziu que falara com elas. Dei-lhe um sorriso para mostrar empatia, uma forma de criar um laço, e um sorriso breve contraiu-lhe o rosto jovem. E antes que aquele primeiro contato pudesse esfriar e assim perder aquela oportunidade única, acrescentei:
-- Esse verão promete. Não acham?
Ela deu de ombros como quem não sabe o que responder. Nesse instante, o ônibus parou. Descemos.
-- É duro ter de andar nesses ônibus lotado, sem conforto algum. Ainda mais com uma roupa quente assim. Estou derretendo. Queria eu estar assim tão a vontade.
Foi a vez daquele encanto de gente fitar-me e sorrir. Mesmo que eu não quisesse não havia como não lho retribuir. Ela por sua vez, com um jeito tímido, envergonhado, desviou os olhos. E talvez para não demonstrar indelicadeza, respondeu:
-- Mas por que não usa uma roupa mais fresca?
-- Exigências do trabalho – expliquei de forma lacônica, com o intuito de aguçar-lhe a curiosidade. Pois assim seria inevitável uma indagação acerca do que eu fazia. E mesmo que essa pergunta não viesse, ainda sim teria a oportunidade de estender por mais alguns instantes a conversa, embora fosse capaz de apostar com quase cem porcento de chance que ela faria tal pergunta.
-- E o que você faz? -- adiantou-se a amiga.
Torci para que ela e não a amiga perguntasse, todavia melhor assim do que pergunta alguma.
. -- Sou especialista em segurança de computadores. Procuro falhas em sistemas que podem dar pane devido à virada do ano 2000 – expliquei. Cruzamos a ciclovia paralela à avenada e entramos numa rua transversal. -- Bug do milênio. Já ouviram falar? – De fato eu me formara em ciências da computação, contudo, não era bem esse o meu trabalho. Este foi apenas um pretexto para impressioná-las; pois, com a proximidade do ano 2000, possíveis falhas nos computadores nos primeiros dias do ano tornara-se assunto do cotidiano, o que aliás chegava a causar um certo pânico, temendo-se a paralisação de alguns serviços essenciais.
-- Mais ou menos – respondeu a jovem de biquíni azul e shorts vermelho, a jovem pela qual era preciso fazer um exagerado esforço para não deixar transparecer os meus olhares constantes, os quais eram inevitáveis, pois em quase todas as vezes nossos olhares se encontravam, embora de imediato os desviava para frente ou mesmo para a amiga.
Foi pouco depois que arrisquei perguntar-lhes os nomes. Como quem não quer nada, falei:
-- Desculpe-me. Nem me alembrei de me apresentar. Eu me chamo Demócrito. E vocês?
-- Marcela – disse a amiga.
-- E eu Ana Carla.
“Consegui! Ana Carla?! Que belo nome! Ana Carla. Um nome digno de uma coisinha gostosa assim. Não faz idéia, mas você ainda vai ser minha, Ana Carla. Ah, vai! Pode apostar. Ana Carla, Ana Carla, Ana Carla, quem diria”, pensei, quase não contendo o deleite, com uma vontade de repetir aquele nome uma infinidade de vezes.
Demos mais alguns passos e então elas pararam.
-- Vamos ficar por aqui -- disse Marcela.
-- Tchau -- Acrescentou Ana Carla.
Surpreso, pois não esperava que fossem parar ali, quase não consegui atinar algo para dizer-lhes. Contudo, prevenido como sou, não deveria retê-las procurando estender a conversa, pois aquele que não usa de prudência acaba quase sempre metendo os pés pelas mãos. Para que ir além se já obtivera bem mais que o esperado? Não, não; de posse de seus nomes, não me seria difícil encontrá-las.
-- Então tchau.
Segui adiante sem rumo, apenas com o intuito de ver qual direção tomariam. No entanto, após alguns passos, virei par trás e vi que atravessavam um portão de madeira, provavelmente da casa de uma delas.
“Pronto! Agora tenho o que preciso. Ela não me escapa mais. É tudo uma questão de tempo. Só preciso encontrar uma forma de cair nas graças dela e seduzi-la. Não vai ser difícil. Nunca é. Elas parecem ter prazer em ser iludidas, enganadas. Bem. Vou ter muito tempo para pensar nisso. Vou dobrar aqui e pegar o ônibus de volta. Linha 1”, pensei no meu íntimo.




sexta-feira, 23 de outubro de 2009

NÃO SE TERMINA UM AMOR

Não se termina um amor
Quando há muitos laços para desatar
Pois, ao rompê-los, a dor
É tão intensa que é capaz de matar

Não se termina um amor
Como se os sentimentos humanos
Fossem tão somente o calor
Dos nossos maiores desenganos

Não se termina um amor
Como se finda uma amizade
Pois no amante a dor
Leva-o a perder a noção da realidade

Mas se o amor chega ao fim
Não há porem como remediar
E o coração há de sofrer enfim
Mas também saberá se recuperar.



terça-feira, 13 de outubro de 2009

A MENINA DO ÔNIBUS - PREFÁCIO

Foi muito dolorosa a decisão de contar nossa história, tão dolorosa quanto arrancar uma flecha atravessada ao peito puxando-a lentamente, milímetro por milímetro até até que saísse toda deixando um imenso vácuo. E se não fosse por Ana Carla e por tudo que nos aconteceu eu jamais teria escrito uma única página, uma mísera linha; pois nada me dói tanto, nada me faz converter a dor em lágrimas, lágrimas que ao percorrerem o longo trecho se perdem no silêncio de meus trêmulos lábios deixando um rastro feito um rio de larvas, quanto as lembranças dos momentos que compartilhamos. Foi como se houvéssemos vividos naqueles poucos meses uma vida inteira. Aliás, nunca experimentei a vida nos seus mais variados e intensos extremos quanto naquelas poucas semanas entre o final de 1999 e início de 2000. E mesmo que a vida me fosse eterna, ainda sim aquele período ficará eternamente gravado em minhas lembranças. Lembranças essas a invadir-me amiúde, levando-me quase sempre ao desespero feito aquele que, após cometer um crime, arrepende-se profundamente de seu ato, tornando a lembrança do crime uma tortura sem fim, mais talvez que aquela sofrida por Raskolnikov. Foi como disse a Ana Carla certa vez: “Nem que passe a eternidade, vou me esquecer desses momentos, minha florzinha”. Pois é a mais pura verdade! Jamais vou conhecer alguém como ela e amá-lo quanto a amei, um amor infinitamente maior do que aquele que cheguei a sentir por Luciana. Ana Carla foi única, foi como atirar os olhos a um imenso roseiral, onde milhares de rosas estão a se desabrochar, e bem lá no fundo, onde os olhos já não alcançam mais, deparar com a rosa pela qual seria capaz de dedicar toda a atenção, agir como se naquele interminável jardim só ela existisse, como se todas as outras houvessem murchado e perdido a beleza, tornado-se opacas e sem valor.
A minha vida pode ser resumida entre o antes e o depois de Ana Carla. Tudo que vivemos, descobrimos, amamos e sofremos vai ficar registrado para sempre na minha memória e nessas páginas que você, querido leitor, terá a oportunidade de dividir comigo a partir de agora.
Talvez você esteja se perguntando por que tomei a iniciativa de contar nossa história. Talvez você até se pergunte por que não guardo somente para mim detalhes tão íntimos de nosso relacionamento, detalhes que vão me expôr, provocar indignação, ódio e revolta; pois o ser humano é um animal esquisito: não perdoa o semelhante não por seus atos condenáveis mas por tê-los deixado vir à publico, pois atos condenáveis não há quem não os tenha cometido. Respondo-te que estou fazendo isso como forma de homenagear a minha Ana Carla, aquela menina que viveu intensamente um amor proibido, experimentou coisas que muitas mulheres jamais experimentarão, embora tenham uma vida inteira para isso. Ao fazer esse relato, também é uma forma de manter vivo esses momentos que nos custaram tão caros, que de uma forma ou de outra marcou profundamente a vida de tantas pessoas.
Contar a nossa história porém só me foi possível por causa de um detalhe: Ana Carla escreveu um diário. Aliás, um longo e minucioso relato de nosso relacionamento. Eu jamais poderia imaginar que ela andava a escrevê-lo. Em nenhum momento, deixou-me escapar que narrava detalhes de nossos encontros. Confesso que fiquei extremamente surpreso quando este veio parar em minhas mãos. A princípio, não quis acreditar; mas, após deparar com sua letra naquele caderno não tive mais dúvidas.
Como este veio cair-me nas mãos? É algo que talvez o leitor esteja se perguntando. Pois não vou deixá-lo em suspense, pelo menos quanto a isso.
Fiquei surpreso quando recebi um telefonema, poucos dias depois de sair do hospital, de um garoto que se dizia irmão de Ana Carla. Fiquei surpreso, pois onde conseguira o meu telefone? Devia tê-lo perguntado, pois essa curiosidade de vez em vez fica martelando-me no cérebro. Ele declarava ter em mãos algo que pertencera à irmã e o qual gostaria de me entregar. Combinamos o local da entrega, contudo quem apareceu foi uma menina, uma colega de classe do irmão de Ana Carla. Quem eu esperava mandou dizer que não tinha raiva de mim, mas não queria me ver pessoalmente.
Após ler aquele caderno de aproximadamente duzentas folhas de forma voraz e incansável por longas horas, pude constatar muita coisa interessante, coisas que jaziam esquecidas em algum recanto de meu cérebro. Na medida do possível Ana Carla se manteve fiel aos fatos. Claro que se trata de um texto sem muito cuidado embora bem escrito, com alguns erros de português, o que é perdoável para uma menina de quatorze anos. Muitas vezes, por falta de vocabulário ou conhecimento, Ana Carla não soube se expressar corretamente; noutras houve uma ligeira distorção dos fatos, o que também é compreensível. Seria querer demais que uma menina de sua idade, sem experiência com relação ao sexo, soubesse falar e emitir juízos acerca do ato sexual.
Entretanto, tratava-se da prova mais autêntica de suas impressões, de suas experiências e de como os nossos atos a afetavam. Ana Carla narrou com detalhes alguns dos momentos que passamos juntos e expôs suas impressões em determinadas passagens. Tratar-se inegavelmente de um texto produzido por uma alma sensível, capaz de captar nuances que eu e quase totalidade dos mortais não seriam capazes sob as mesmas condições. Aliás, ao fazer essa narrativa, tenho receio – embora tenha todo o tempo do mundo para revisá-la e corrigi-la – de que esta não fique a altura de seu diário.
O que causou-me espanto num segundo momento foi o risco que corremos com a possibilidade desse diário ter caído em mãos erradas. Havíamos combinado que não escreveríamos nada um ao outro para que o nosso relacionamento não viesse à tona, pois se seus pais soubessem que a filha envolvera-se com um homem cuja idade era o dobro da sua, mandar-me-iam prender por corrupção de menores, atentado ao pudor ou algo parecido.
O que posso dizer é que se não fosse seu diário, eu não teria forças para contar nossa história. Quis fazer isso não só para dar a minha versão dos fatos, como também para mostrar que Ana Carla não mentiu em nenhum momento, nem mesmo naqueles em que parece estar se fantasiando.
Intercalar minha narrativa com o diário foi também a forma que encontrei para preencher as lacunas deixadas pelo mesmo; pois Ana Carla começou a escrevê-lo no mesmo dia em que a presenteei com a pulseira de ouro. E não havia como ela saber o que realmente se passou antes de começarmos a nos encontrar, assim como os fatos ocorridos no período em que estava com os pais na capital capixaba, fatos estes determinantes para o fim trágico do nosso relacionamento. Isso só eu poderia dizer; aliás, como também os fatos acontecidos em Ubatuba, uma vez que nada consta em seu diário, até porque não poderia mesmo conter. Ela, talvez temendo que eu o descobrisse e lhe pedisse para destruí-lo, não o levou consigo.
Antes de inciar a narrativa, quero apenas alertar o leitor que não estou preocupado com o julgamento que este fará de mim. Em nenhum momento deixei de omitir, mudar ou tornar menos chocantes fatos verdadeiros. Até porque cada pessoa julga o outro de acordo com a sua moral, e o que para um pode ser motivo de rubor para outro pode ser perfeitamente normal. Assim, a verdade pelo menos satisfará a todos.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O AMOR QUANDO FINCA RAÍZES


Olho através da janela silenciosa o jardim triste e a rua deserta e com o coração gritante penso a cada instante onde você estará agora.
Sonho que o deserto da rua será ocupado com os teus passos,a tristeza do meu jardim alegrado com o teu sorriso e o silêncio que me oprime e quase me leva ao desespero seja quebrado com o som da campainha. Mas tudo talvez não passe de um sonho descabido, de uma forma de minimizar a minha dor ao acreditar que o impossível possa acontecer.
Você partiu com a certeza de nunca mais voltar, de apagar o nosso passado, como se este fosse rabiscos de giz na lousa da escola. Talvez todo esse tempo que vivemos lado a lado, onde amamos intensamente um ao outro nada te tenha significado, mas para mim são lembranças que não podem ser apagadas.
Talvez você não tenha compreendido que o amor, quando finca raízes, não pode ser arrancado, feito uma árvore na tempestade, sem destruir o terreno. Se a árvore que eu plantei no teu coração não criou raízes profundas, quiça ao penetrá-lo tenha encontrado uma rocha, impedindo-o de se firmar e assim ficar vulnerável a mais amena das tempestades. Saiba, no entanto, que a semente que você plantou no meu criou raízes tão profundas que, para ser derrubada, terá de abrir meu peito e arrancar o coração junto.
Mas por que estou eu te dizendo isso, se minhas palavras chocarão contra o mundo da indiferença em teu peito? Talvez fosse melhor nem lê-las, pois na incapacidade de compreender minha dor, possa, através destas palavras, rir-se de mim, vendo-me tão somente como um perfeito idiota. Mas se amar é tornar-se idiota, então dou mil vivas a todos os idiotas. Pois através da mais profunda dor sei que experimentei a paixão da forma mais profunda também e consequentemente sinto a vida no que ela tem de mais bom e ruim, agora infelizmente quanto á você talvez a vida seja tão somente uma viagem tão empolgante quanto a ida do trabalho para casa.