Pouco
depois, lá fomos nós pescar. Marcela e Ana Paula resolveram nos
acompanhar. Queriam ver se Luciana realmente conseguiria pegar alguma
coisa. E essa ideia, que partiu de Ana Paula, não me agradou, pois
Marcela teria de me assistir pegando na mão da outra para ensiná-la
a fazer pontaria. E essa imagem de mim colado em Luciana, a qual
jazia nua, provocava-me um grande desconforto porque sabia que
Marcela nos veria como um casal em perfeita sintonia e certamente
concluiria que estaríamos
namorando, uma vez que Luciana
não saia de perto de mim. Por mais boba e ingênua que pudesse ser –
o que Marcela não era – haveria de concluir que eu perdera
definitivamente o interesse por ela.
Fomos
ao mesmo local onde anteriormente consegui apanhar um peixe. Não sei
se o amigo leitor recorda, mas tratava-se de um lugar cheio de
pedras, onde se podia ver os peixes nadando.
Tanto
Ana Paula quanto Marcela não quiseram se arriscar por entre as
pedras, o que teriam de fazer até chegar onde se podia ver os
peixes. Preferiram ficar à distância apenas nos observando e
fazendo comentários quando, ao lançar o dardo, Luciana errava o
alvo e deixava o peixe fugir. Aliás, aproveitavam a oportunidade
para rirem e provocar Luciana que, nas primeiras vezes, levou na
esportiva, mas aos poucos começou a irritar-se a ponto de gritar com
as duas que se não parassem lançaria aquele dardo contra uma delas
e com certeza a trespassaria. Assustadas, ambas silenciaram-se e
pouco depois afastaram-se sem dizer palavras.
--Assim
é melhor! -- exclamou Luciana. -- Elas estavam me tirando do sério.
Faltava pouco para enfiar essa vara nas duas. Qualquer hora elas vão
se ver comigo de verdade – acrescentou por fim.
Não
respondi. Fiz de conta que não ouvira.
Deixei-a
tentado fisgar o peixe e me afastei para encontrar outros que fossem
maiores. Certamente os acharia.
Esqueci
Luciana por algum tempo e procurei me concentrar na pescaria, embora
de quando em quando eu a ouvia esbravejar por ter pela enésima vez
errado o alvo.
--
Quer saber de uma coisa? Não quero mais saber desse negócio de
pegar peixe. Isso não é para mim. Tenho de reconhecer que não levo
jeito para isso. Sei pegar numa vara e usar ela direitinho, mas não
nesse tipo de vara – acrescentou em tom jocoso. -- Vou voltar para
a cabana. Te espero lá.
Nisso
ouvi dois passos e um som mais alto, como o de uma queda. Súbito, o
grunhido de dor penetrou-me nos ouvidos, levando-me virar
imediatamente a cabeça em direção de Luciana, a qual jazia caída
sobre as pedras, tentando levantar-se.
--
O que aconteceu? -- perguntei-lhe.
--
Acho que machuquei o pé – foi o que ela disse com dificuldade,
demonstrando está sentindo muita dor.
Corri
em sua direção e a ajudei a se sentar.
Ajoelhei-me
de frente e peguei-lhe na perna ferida. E ao tocar-lhe o tornozelo,
Luciana gemeu de dor, como se esta fosse insuportável.
--
Acho que você torceu mesmo
o
pé – deduzi, embora não tivesse certeza.
--
E agora? O que faço? -- foi a vez dela indagar.
--
O jeito é eu te levar até a cabana. Pelo jeito você vai ter de
ficar de repouso até ele melhorar.
Para
tirá-la do meio das pedras, peguei-a no colo. A dor talvez muito
intensa, arrancava-lhe lágrimas dos olhos, tornando-a frágil como
um bebezinho, o que não lembrava em nada a mulher durona, altiva e
impositora dantes. Aliás, ao vê-la assim, tão frágil e incapaz,
senti um que de prazer em perceber que enquanto estivesse
impossibilitada não seria uma ameaça para ninguém, não me
obrigaria a possuí-la
contra a vontade e nem me impediria de me aproximar de Marcela, por
quem continuava apaixonado. Minhas esperanças que jaziam perdidas,
ganharam um novo alento. Nisso me vi caminhando ao lado de Marcela,
se afastando da cabana. E num ponto distante, eu a tomava nos braços
e nossos lábios se encontravam num beijo intenso, cheio de ternura e
paixão. Roberta poderia controlar tudo a sua volta, mas não meus
pensamentos. E ali no meu colo, tão impotente e incapaz de exercer
seu domínio sobre mim, não imaginava o que se passava nos meus
pensamentos.
Ao
atingirmos a faixa de areia, eu a pus de pé e, abraçando-a enquanto
ela se apoiava em meu ombro, fomos caminhando de volta à cabana.
Ela
realmente não conseguia por o pé no chão. Tentou por duas vezes
mas a dor foi tamanha que seus gritos ecoaram. “Bem feito! Foi
castigo de Deus! Ele quis se vingar dela o que ela andava fazendo com
a gente”, pensei com satisfação, sem no entanto atinar que, assim
como a maioria das pessoas incultas, atribui a
Deus
características humanas como se em alguns momentos Este fosse menos
deus e mais humano.
Ao
chegarmos a cabana, não encontramos Ana Paula e Marcela. Certamente,
chateadas com as ameaças de Luciana, haviam ido para algum lugar da
ilha.
–
Deixa eu te ajudar a sentar. Aí você deita para não forçar o pé
– sugeri.
Foi
o que Luciana fez. No entanto acrescentou em seguida:
--
Nossa! Como dói! Será que isso vai demorar a passar?
--
Não sei. Talvez uns dois ou três dias, quem sabe.
Fez-se
um rápido silêncio. Nesse ínterim não pude evitar sentir prazer
na dor daquela jovem ao meu lado que, embora fosse mais velha que eu,
parecia agora uma criança pequena necessitando de todos os cuidados.
Sabia que provavelmente não sairia da cama por alguns dias, todavia
não fui capaz de atinar que, por causa disso, ela me faria de seu
escravo, de alguém que teria de estar a sua disposição o tempo
inteiro para ajudá-la inclusive nas necessidades mais básicas.
--
Vou atrás das meninas e contar o que aconteceu – falei.
--
Mas você vai me deixar aqui sozinha?
--
O que tem? Não vou demorar.
--
Deixe elas para lá. Eu não quero ficar sozinha. Vem cá. Deite aqui
do meu lado – ordenou, fazendo gestos com a mão.
Pensei
em não obedecer. Mas ao vê-la naquele estado, senti compaixão por
aquela pobre infeliz. De mais a mais, não queria contrariá-la na
primeira oportunidade. Isso poderia irritá-la e levá-la a fazer
alguma besteira mesmo naquele estado. De forma que acabei fazendo o
que ela pedira. Então Luciana, com certa dificuldade, rolou para o
lado e se aninhou nos meus braços como se eu fosse seu amante e
protetor.
Minutos
depois ouvi vozes ao longe. Ana Paula e Marcela retornavam. Como num
gesto instintivo, procurei me desvincilhar de Luciana para que elas
não nos vissem assim, contudo Luciana apercebendo minhas intenções
adiantou-se:
--
Por que está fugindo? Só porque aquela vadiazinha está vindo?
--
Não. Não é por causa disso. Preciso procurar alguma coisa pra
gente comer – menti.
--
Já te avisei. Se você se engraçar com ela, acabo com a raça dela
num piscar de olhos.
--
Já disse que não vou. Que merda! Quer que a gente morra de fome? --
esbravejei.
--
Então vá, mas sozinho.
Ao
sair deparei com as duas do lado de fora da cabana. Notando algo de
errado, Ana Paula indagou:
--
O que aconteceu?
--
Luciana torceu o pé e não está conseguindo andar – expliquei.
--
Bem feito! -- exclamou baixinho para a outra não ouvir. -- Tomara
que fique assim um bom tempo.
--
Também não fale assim. Não se deve desejar o mal para outros –
interveio Marcela.
--
Falo mesmo! Tomara que fique aleijada para o resto da vida.
--
Bem. Só não vão arrumar briga como já fizeram antes. Vou voltar
lá nas pedras e ver se pego alguma coisa para a gente comer. Se não
conseguir, vamos ter de comer frutas novamente.
--
E o pior que já estou ficando com fome – acrescentou Ana Paula.
Afastei
e voltei onde havia deixado as lanças. Apanhei-as e voltei a posição
onde jazia antes de Luciana se machucar. Agora sozinho, sem ninguém
para me tirar a concentração, poderia ser melhor sucedido. Haveria
de pescar dois ou três peixes grandes para passarmos o resto daquele
dia de barriga cheia. E provavelmente tornaria a fazer o mesmo no dia
seguinte, no outro e nos outros, até sairmos daquela ilha, pois
nenhum de nós acreditávamos que ficaríamos ali para sempre.