terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

ADEUS Á INOCÊNCIA - CAP. 34

O quinto dia passou de forma tranquila, sem incidentes. Talvez porque nos ocupamos em melhorar a cabana no período da manhã e da tarde. Estava ruim demais dormir sobre a areia, sem algo que nos lembrasse nossas camas macias. Ana Paula e Luciana deram uma trégua e houve um momento até, quando ajudavam a amarrar os troncos de madeira para fazer nossas camas, que trocaram palavas amistosas, o que me fez lembrar do começo daquele trágico passeio e inclusive do nosso primeiro dia naquela ilha. Aliás, ao vê-las conversando sem insultos, sem ameaças, como se fossem grandes amigas fiquei emocionado e meus olhos lacrimejaram, o coração ficou apertado e uma sensação de prazer tomou conta, talvez afetado por aquelas lembranças. Então pensei: “Por que não tentam ficar amigas. Não é melhor assim? Olha como parecem felizes. As coisas seriam bem mais fáceis. A gente não sabe quando vai sair daqui. É melhor que não briguem mais, que não fiquem agindo como crianças mimadas”.
O único momento tenso, que quase estragou aquele dia, foi quando me aproximei da Marcela e, enquanto ela segurava um pedaço de pau e eu o prendia aos bambus com cipó, trocando palavras de forma íntima, cheguei a fazer-lhe uma carícia no rosto com a desculpa de tirar um fiapo de capim. Não imaginei que Luciana encontrava-se tão próxima. E quando nossos olhos se cruzaram, seus olhos pareciam faiscar. Ela me olhou como quem fuzila o inimigo. Corei-me e por alguns segundos fiquei paralisado. Ela não disse nada, mas também nem precisava.
-- Vi muito bem o que você estava fazendo com ela – disse Luciana mais tarde, quando havíamos dado o trabalho por encerrado e eu me afastara para apanhar frutas. Embora tenha dito que as apanharia sozinho, Luciana acabou me seguindo.
-- Eu não estava fazendo nada demais – declarei.
-- Não esqueceu do que disse ontem não, né? -- tornou ela, andando ao meu lado.
-- Não.
-- É bom mesmo!
Aquele tom ameaçador, cujo intuito era me incutir medo e terror, acabou por me irritar. Por um momento senti vontade de partir-lhe para cima e esmurrá-la até a raiva passar e mostrar-lhe quem é que mandava naquela ilha; mas não tive coragem, pois me sentia impotente de diminuto diante dela. Preferi baixar a cabeça e engolir aquele sentimento. Ah, mas se ela persistisse com suas ameaças, se tivesse continuado a torrar-me a paciência, provavelmente eu não teria aguentado; mas ela ficou muda por algum tempo, e quando voltou a falar, ela o fez de forma mansa. Chamou-me a atenção para duas goiabas amarelas no topo da goiabeira.
-- Não vai ser fácil apanhar elas – declarei. -- Essa vara não vai alcançar.
-- Vai sim. Eu te ajudo a subir no pé.
Consegui apanhar não só aquelas duas frutas amarelas, como mais três escondidas entre as folhas. Isso, no entanto, não era suficiente para matar nossa fome. Precisávamos encontrar outras frutas. Nas bananeiras ali próximas não havia mais bananas maduras; havia sim alguns cachos, mas ainda não estavam na época de serem colhidas.
Talvez houvesse outro bananal um pouco mais adiante; afinal, bananeira é uma planta que cresce com facilidade, bastando para isso um lugar úmido, como aquele onde a água corria com abundância. Sugeri à Luciana que fôssemos procurar.
-- Vamos. Isso aqui – mostrou-me as goiabas – não mata nem a nossa fome.
-- É mas se a gente não encontrar mais nada, vamos ter que dividir.
-- Eu como sou a maior, fico com a maior; tua priminha fica com essa bem pequenininha aqui ó.
Não gostei da forma com que ela se referiu à Ana Paula. Ela não tinha o direito de destratar minha prima assim.
-- Por que você implica tanto com a Ana Paula?
-- É ela quem implica comigo. É uma pirralha, uma fedelha mimada, isso sim. Mas comigo ela não vai se criar não. Se ela se meter comigo, vai levar em dobro.
-- Eu já disse: não quero briga entre vocês. A gente tem que tentar viver em harmonia até sermos resgatados.
-- Isso, se formos – atalhou.
-- Mesmo que desistam de procurar a gente, uma hora alguém vai aparecer aqui.
-- O problema é quando – afirmou, como se tivesse certeza de que ficaríamos um bom tempo naquele pedaço de terra desabitado, esquecido por Deus.
Andamos mais uns cem metros até avistarmos uma espécie de vala, onde cresciam bananeiras.
-- Ali – apontou Luciana.
Encontramos um cacho em que as bananas começavam a madurar. Ainda não estavam prontas para serem comidas, todavia, de comum acordo, achamos por bem apanhá-las e levar para a cabana. Aliás, foi Luciana quem nos lembou que as fruas fora do pé amadureciam mais rápido.
-- E agora? O que vamos fazer? -- perguntou ela, quando voltávamos.
-- Eu só vejo uma saída: pescar um ou dois peixes.
-- Então a gente precisa voltar rápido, porque o sol já está se pondo. Quer que eu te ajude a pescar?
-- Não, não. É melhor eu ir sozinho; assim eu consigo me concentrar melhor. Além do mais, você pode fazer barulho e acabar espantando o peixe.
-- Ah, mas eu ia adorar ficar lá contigo – asseverou, pegando em minha mão feito uma namorada. Confesso que senti vontade de retirar a mão, de sair correndo e me afastar dela. Não era ela quem eu queria que estivesse ao meu lado, dizendo aquelas palavras, de uma forma tão meiga, tão cheia de carinhos.
E por um momento, meus pensamentos voaram até a cabana, até Marcela, e relembrei do momento em que ficamos lado a lado, amarrando o cipó, dando forma a uma cama que provavelmente seria ocupada por ela. E então veio a imagem de suas mãos delicadas, de seus seios redondos. Lucana tinha uns seios maiores, mais crescidos, mas os de Marcela tinham algo que me seduzia, que me faziam desejá-los; embora toda vez que pensava nisso, sentia uma sensação de estar cometendo um pecado, que entretanto não me impedia de continuar a pensar, a desejá-los.
-- Me dá um beijo – pediu Luciana.
-- Não, agora não. Precisamos voltar rápido, pois eu tenho que pegar pelo menos um peixe para a gente comer – esquivei.
-- Um beijo não vai demorar tanto assim – afirmou ela, puxando-me pelo braço. -- Aposto como se fosse a Marcela você não recusaria.
-- Não fale besteiras.
-- Pensa que não sei como você trata ela? Eu reparei nisso desde que vi vocês juntos na casa do teu tio. Você não tira os olhos dela, fala mole com ela, cheio de atenções. Mas pode tirar seu cavalinho da chuva, porque se eu pegar vocês de beijos e abraços, eu acabo com ela. E você não vai querer isso, vai?
Tal qual na noite anterior, senti uma sensação horrível. Não era só o medo e a impotência diante daquela mulher ameaçadora, esperta, que sabia ter-me sob seu controle. Talvez suas ameaças fossem apenas para me assustar, mas e se não fosse? E se num ataque de ciúmes ela realmente partisse para cima da Marcela?
-- Não – foi a resposta que dei.
-- Então me beija – insistiu.
Beijei-a. Foi um beijo frio, mecânico, sem emoção. Também foi um beijo rápido, apenas um toque mais longo nos seus lábios. Dir-se-ia de um beijo de novela
-- Agora vamos – afirmei. E voltei a caminhar a passos largos em direção à cabana, onde Ana Paula e Marcela nos aguardavam.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O QUE NOS FAZ SUPORTA A VIDA

Os nossos sonhos e fantasias
São ilusões do dia a dia
Que acumulamos tão somente
Para não querer a morte urgente

A vida com os pés no chão
Seria insuportável. Não,
Não se pode viver o já
Sem que os sonhos estejam lá

Pois estes se renovam a cada dia
Numa triste esperança ou vã alegria
Mas eis que resistem bravamente
Às duras verdades do presente.

E assim, como num voo sem razão,
Procuram acender a chama no coração
De que ali na frente, o futuro está
Até que a morte traz o fim. E então jaz.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A RENÚNCIA DE BENTO XVI

A renúncia do Papa Bento XVI ao pontificado torna ainda mais evidente a crise pela qual o catolicismo está passando, uma vez que a fuga de fiéis para o protestantismo e o abandono da crença religiosa vem se acentuando nos últimos anos, principalmente nos países mais católicos. É inegável -- e Bento XVI tem consciência disso -- que o conservadorismo do atual pontífice em não aceitar uma nova realidade, como o uso de contraceptivos e o divórcio por exemplo, só fez aumentar essa fuga. A justificativa de que a idade o impedia de exercer plenamente as suas funções, embora não deixa de ser um argumento válido e ter um fundo de verdade, foi na realidade uma desculpa. É sabido que existe uma grande pressão dentro da igreja católica no sentido de flexibilizar não só o uso de contraceptivos como também a aceitação do divórcio e do homossexualismo (embora este último dificilmente venha a ser aceito, pois nem mesmo a Igreja Protestante o reconhece, preferindo tratá-lo com uma doença). E de mais a mais, Bento XVI, ao contrário de João Paulo II, é uma pessoa fria e sem carisma. Isso também deve ter pesado na sua decisão, uma vez que tem plena consciência disso. Por outro lado, é preciso reconhecer a coragem dele, pois a maioria de seus antecessores não a tiveram. Aliás, a sua decisão mostra não só o seu grau se sensatez como também deu um exemplo àqueles que se agarram ao poder a qualquer custo. Quantos líderes políticos teriam de coragem dum ato desses? 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

O VERMELHO E O NEGRO - STENDHAL

INTRODUÇÃO

O protagonista desta obra eterna é o jovem Julien Sorel. Como diz o próprio autor, ele “é um homem infeliz em guerra com a sociedade”, um anti-herói romântico por excelência. Devido à condição financeira e à carência de recursos, sua ambição o leva a encarar duas carreiras como possibilidade de alcançar o tão almejado sucesso - a eclesiástica, representada pelo negro, e a das armas, representada pelo vermelho. Sendo assim, sua trajetória constrói-se entre estas duas possibilidades, ou seja: o vermelho e o negro, título da obra.
Filho de um humilde carpinteiro, Julien Sorel sonha com uma vida intensa e cheia de glórias. Sua ambição exagerada o leva a conviver com a burguesia provinciana e com a aristocracia parisiense. Apesar disso, Julien continua a ser um pobre no mundo dos ricos, pois não possui desinência nobre, algo fundamental na nobreza. A partir desses elementos, do momento em que vivia a França com suas revoluções, Stendhal criou um magistral romance psicológico, um retrato fiel das complexas relações sociais na França do período da Restauração napoleônica, considerado o mais clássico, brilhante, vasto e importante da literatura francesa do século XIX, arrancando elogios inclusive do filósofo Friederich Nietzsche.

RESUMO DA OBRA

Julien Sorel, filho mais novo de uma família de camponeses, não suportava sua origem pobre, nem mesmo o destino que lhe aguardava: ser um mero serrador de tábuas. Era um garoto frágil e não tinha disposição para este tipo de trabalho. Seus dois irmãos e seu pai o consideravam um preguiçoso, odiavam, acima de tudo, a principal mania do jovem filho: a inclinação para a leitura.
Seu sonho é fazer carreira militar. Pois tinha admirava as campanhas vitoriosas e os grandes feitos de Napoleão Bonaparte, seu maior ídolo e um exemplo a ser seguido. E ele via na carreira militar a possibilidade de fazer fortuna e ganhar fama. Só que isso faz parte do passado, da sua juventude. Não é este o caminho que ele deve seguir.
Então resta-lhe outra alternativa: A careira eclesiástica. O hábito preto é o uniforme do século. A opção em tornar-se padre acaba sendo sua escolha Assim, passa um período no seminário de Besançon, onde Julien começa a chamar a atenção.
O prefeito da provinciana Verrières, Sr. Rênal, fica sabendo sobre um jovem dono de uma memória exemplar e estudioso das Escrituras Sagradas, o qual é capaz de recitá-la toda de cor em latim. Com o intuito de aumentar seu prestígio diante do Sr. Valenod, diretor do asilo de mendicidade de Verrières, o prefeito contrata Sorel como preceptor dos seus filhos.
Há uma relação de cordialidade, uma disputa por posições dentro do campo político entre o prefeito e o Sr. Valenod. Apesar da cordialidade, são inimigos. E ter condições de ter um preceptor para seus filhos é tão somente mais um lance na disputa política entre os dois. Julien representa mais uma cartada a favor do Sr. Renal, algo que contribui para sua imagem pública.
O ambicioso Julien, para tirar proveito da situação, arma um estratégia: saber onde estava pisando. Para isso, ele faz um mapa mental das posições dos frequentadores da casa do Sr. Rênal. E com isso, ele chegou a algumas conclusões, como por exemplo não revelar sua paixão por Napoleão Bonaparte muito menos sua admiração pelas ideias Iluministas.
Não tarda a perceber que o Sr. Valenod cobiça-lhe e faz todo o possível para tirá-lo da casa do prefeito. E o medo de perder o preceptor faz inclusive com que o Sr. Rênal não só lhe aumente o salário, como também lhe conceda licenças periódicas, licenças usadas para visitar o amigo Fouqué, um pequeno burguês cujo o único valor moral é o trabalho. Este vive lhe oferecendo sociedade no negócio de madeiras. Julien porém nunca diz nem sim nem não.
Depois de algum tempo como preceptor, Julien torna-se amante da Sra. Renal, esposa do prefeito. E por causa de uma carta anônima, depois reconhecida como tendo sido escrita pelo Sr. Valenod, ele abandona a casa dos Renal e vai para o seminário em Besançon, onde conhecerá o campo religioso..
Inicialmente o sentimento que levou Julien a envolver-se com a bela Sra. Rênal não foi a paixão, mas o prazer pelo jogo, pelo desafio. Ele quer tê-la e fazê-la apaixonar-se. Foi uma meta. E ele precisava atingi-la. A cada etapa vencida (um toque de mão, um olhar mais demorado, visitas noturnas a seu quarto), ele suspirava feliz: "Sim, eu ganhei uma batalha... Isso é puro Napoleão". Só que o imprevisto acontece: ele se apaixona por ela. Pois ele a vê como uma pessoa boa e dócil "que fora criada no campo inimigo".
No Seminário, Julien assumiu um postura arrogante e de superioridade devido ao seu gosto pela leitura e a capacidade de julgar, o que não havia nos outros seminaristas. Através dessa observação, sonhou com sucessos imediatos e viu-se ocupando posições de destaque. Todavia ele errou. Talvez por excesso de confiança, esqueceu estudar as regras do jogo. Esqueceu de que, para saber agir como padre, para ser padre, deveria agir como os outros. Seus esforços para ser o primeiro nos cursos, na verdade, eram considerado pecado. E a única coisa importante é a submissão do coração. Além disso, a atitude de Julien, olhando sempre direto nos olhos, com ares de quem está sempre pensando, manteve os companheiros à distância. Isso tudo lhe custou o apelido de “Martin Lutero”. Só então mais tarde que ele percebe o erro.
E para adaptar-se, Julien teve de ajustar suas ações às normas de conduta. Assim Julien percebe que "no seminário, é o modo de se comer um ovo que revela os progressos feitos na vida devota" Além desse esforço de comportar-se de forma mais condizente com os padrões de um padre, Julien tem o cuidado de observar as disputas de posição entre aqueles que representam a ortodoxia e, a partir daí, definir qual o melhor partido a tomar.
Há duas possibilidades: aliar-se ao diretor do Seminário, o abade Pirard, jansenista ou seu inimigo, o senhor de Frilair, Vigário Geral de Besançon, jesuíta. Julien, contrariando seus métodos calculistas e talvez por um erro de cálculo, alia-se ao primeiro, tomando-o como confessor e amigo. As disputas, que acontecem ao nível da ortodoxia, refletem nos seguidores de uma ou outra posição. E por isso Julien torna-se o protegido do abade Pirard, que o nomeara o explicador do Novo e Antigo Testamentos. Posição essa que lhe dá mais destaque na relação aos outros seminaristas.
De todos os erros de Julien, o mais grave foi na época dos exames. Os examinadores eram nomeados pelo Vigário Geral de Frilair. E quando um examinador pôs-se a falar de Horácio, Virgílio e outro autores profanos, Julien esqueceu em que lugar se achava e na companhia de quem e pôs-se a recitá-los. Quando percebeu que caíra numa cilada, já era tarde. O examinador fechou a cara e reprovou-lhe o tempo perdido com estudos e ideias inúteis. Dessa forma, acaba usado injustamente pelo Vigário Geral para atingir o Abade.
Pouco depôs, o abade é obrigado a pedir demissão do seu cargo, devido ao crescente número de intrigas e da certeza da demissão. E preocupado com os rumos que a vida do jovem Sorel poderia tomar naquele seminário com sua ausência, recorre ao amigo e aliado Marquês de La Mole para que contrate Julien como seu secretário particular.
Julien está por demais feliz. Pois agora deixaria aquele lugar horrível e ia para Paris. E quando chegou lá, fica tão admirado que os olhos parecem querer saltar-lhe do rosto. Ao entrar no Palácio dos La Mole, onde vai trabalhar, pensa: "Então é assim que eles vivem". Porém, logo ele percebe tratar-se de outro mundo com o qual entra em contato. É um mundo onde o nome e a história de seus antepassados falam mais alto. Ali ninguém se preocupa em trabalhar. Aliás, trabalhar é o pior dos males.
Durante os dias, Julien ocupa-se com suas funções de secretário. À noite, janta com os donos do Palácio e com seus convidados. A presença de um plebeu inicialmente incomoda bastante, a ponto da Sra. de La Mole propor ao marido mandá-lo desempenhar uma missão qualquer nos dias em que tivessem certos personagens à mesa.
Para não dar vexame, Julien novamente utiliza-se de um velho método: escrever os nomes e uma frase sobre o caráter das pessoas que entravam no salão. E mais uma vez isso dá certo. Pois depois de algum tempo pôde perceber com mais clareza o código de conduta dos salões.
A vida na corte porém o desaponta e vai da admiração ao menosprezo. Assim, participar todas as noites daqueles encontros torna-se para ele algo terrivelmente desagradável. Ali não se podia falar a respeito de Deus, nem do rei, nem política, ou seja, do que mais desperta o interesse do jovem Sorel. Na verdade, não há espaço para qualquer ideia viva e nem se admite qualquer nível de imprevisibilidade nos comportamentos ou opiniões, fosse dos jovens ou velhos aristocratas. Dir-se-ia viverem num mundo à parte, onde o mundo lá fora, em ebulição não lhes dissesse respeito. Mas ao mesmo tempo ele percebe que pairava o medo no ar, medo de outra revolução e da volta da aristocracia e da guilhotina.
Essa vida é entediante para ele. E a única coisa que lhe alivia o tédio é as longas conversas com a Srta. Mathilde de La Mole, pois compartilham gosto em comum: o prazer nas leituras sérias e proibidas. Todavia, enquanto Julien tem por modelo Napoleão e Danton, Mathilde orgulhava-se de seus antepassados.
A afinidade entre os dois aumenta à medida que convivem e se conhecem. E dessa convivência nasce uma paixão, a qual muda o futuro de Julien. A história de amor entre os dois é marcada por altos e baixos. Mathilde, depois de ter Julien, arrepende-se, sente-se envergonhada e se afasta do rapaz. Ele por sua vez sente-se desprezado e volta-se para dentro de si. Sabendo que a diferença social foi a causa, ele experimenta a envergonha de sua origem humilde. Todavia, como numa batalha, ele decide reconquistá-la. E para tal ele joga, provoca a orgulhosa Mathilde e desdenha-lhe. Chega inclusive a pensar: "...não pense Srta. Mathilde que eu esqueço meu lugar. Farei com que compreenda e sinta que é pelo filho de um carpinteiro que a senhora atraiçoa um descendente do famoso Guy de Croisenois" E ele vence. Sua amada volta aos seus braços e ainda acaba engravidando-se logo depois. O pai da moça, O Sr. La Mole, desespera-se. A família será motivos de zombaria por toda a Paris. Para piorar, a moça decidi casar-se com Julien e dar o nome Sorel ao filho. Agora é o amor paixão que fala mais alto e não a razão.
A fim de tentar remediar a coisa, O Sr. de La Mole consegue uma patente de Tenente de Hussardos para Julien, forja uma condição de nascimento nobre. A partir de então, Julien passa a chamar-se Julien Sorel de La Vernay. É tudo que o rapaz sonha desde pequeno. Assim, sua guerra com a sociedade chega ao fim.
Seu destino muda mais uma vez. Ele recebe uma carta da Sra. de Renal, chamando-o de egoísta e dum homem que só pensa em dinheiro e poder. Numa reação inesperada, ele retorna à Verrières e atenta contra a vida da ex-patroa e amante. Todavia, não chega a matá-la. Mas é preso por isso. Durante o período em que corre o processo, sua paixão pela vítima ressurge de forma intensa, apesar de que é Mathilde quem se dedica inteiramente ao seu amado.
Todo o tempo de prisão, Julien ocupa-o com profundos e filosóficos pensamentos. E durante seu julgamento, quando se decidi o seu destino, ousou expressar seus sentimentos para com a sociedade. Dessa forma, ele decretou sua própria sentença, sentença lida pelo Sr. de Valenod, presidente dos jurados. Qual a sentença? A guilhotina.
Mathilde, por sua vez, não se desespera ao ver a guilhotina decepar a cabeça de Julien. Tem certeza que ele era um homem destemido e audacioso. Dessa forma, sentindo-se a própria Margarida de Navarra, pega a cabeça do pai de seu filho, coloca-a à sua frente e beija-lhe a fronte. Depois ela mesma a enterra, com muita pompa, como se enterrasse um herói.

COMENTÁRIOS

A obra é inspirada em fatos reais, num evento real, ocorrido em Grenoble: condenado pelo assassinato de uma ex-amante, cometido no interior de uma igreja. Um seminarista de 26 anos, Antoine Berthet, foi executado na guilhotina em fevereiro de 1828. É uma obra que rompe com a tradição do romantismo, introduzindo o realismo no romance francês. Stendhal viu nesse fato a possibilidade de fazer o que chamou de “crônica do século XIX”. Ou seja, um ácido retrato da França da Restauração pós-napoleônica, política e moralmente conservadora.
O leitor pode pode ler a obra de duas maneiras: primeiro, simplesmente como uma história à shakespeariana, onde o herói morre guilhotinado, traído e mesmo assim apaixonado e resignado, onde sua cabeça é enterrada por uma de suas amantes, enquanto a outra morre beijando os filhos, o que porém não é o objetivo da obra; segundo, como uma crônica histórica. Na verdade, o autor não quis só mostrar de forma magistral as transformações de caráter que ocorriam num ser apaixonado e ambicioso como o leitor desatento pode achar. Ele quis muito mais do que isso. Ele quis, principalmente, retratar a sociedade francesa e mostrar os contrastes entre a vida provinciana, onde nada acontece, e a vida na capital, centro do poder. O destaque maior é dado ao modo de vida parisiense do início dos anos 30 do século XIX. Além disso, Stendhal quis mostrar como essa sociedade, totalmente carente de ideias, tinha mais medo do ridículo do que da guerra. E mais: quis mostrar também, através de Sorel, a divisão da sociedade francesa entre bonapartistas e os clérigos. Do próprio Julien podemos perceber essa divisão: “... eu, condenado a usar sempre este triste traje negro! Vinte anos antes eu teria usado uniforme com eles!” Na primeira frase, ele se refere ao negro do clero, na segunda, ao vermelho do exército. Noutra referência ao vermelho e ao negro, Julien diz: “...sei escolher o uniforme do meu século... quantos cardeais de origem mais humilde que a minha chegaram ao governo...
Não é por acaso que o "Vermelho e o negro" é uma obra magistral. Nenhum outro autor até então havia retratado de forma tão profunda e brilhante o comportamento psicológico dos personagens. Tanto é que os pensamentos são tão importantes quanto à ação. Os personagens agem de acordo com seus pensamentos, com o fluxo de suas consciência. E isso é retratado como em nenhuma outra obra Dai a admiração de Nietzsche, citada anteriormente.
Talvez pode parecer que, ler o "Vermelho e o negro" seja uma tarefa árdua, mas, na verdade, é uma das obras mais fáceis e gostosa de se ler. De certa forma, a história prende o leitor. E não há como Parar quando se começa. Quem não teve a oportunidade de se deliciar com essa obra prima não sabe o que está perdendo. Aliás, como autor, essa foi uma das obras que me influenciou e me incentivou a escrever.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

RUBENS PAIVA E A FARSA DOS MILITARES


Documentos revelam aquilo que todo mundo sabia, mas os militares oriundos da Ditadura Militar – e olha que são muitos, agora disfarçados de democratas e defensores da moral e dos bons costumes – negavam veementemente: a tortura até a morte do jornalista Rubens Paiva. Pois não há mais dúvida: o jornalista foi torturado e assassinado no prédio do DOI-codi do Rio de Janeiro em 1971, bem no auge da repressão. A cúpula assassina e torturadora do Regime Militar sempre negou o crime, dizendo que ele havia fugido. Aliás, tal notícia foi estampada nas primeiras páginas dos jornais da época, os quais eram obrigados a publicar as mentiras plantadas pelos militares a fim de não sofrerem perseguição do regime. Ora, é sabido que ninguém nunca conseguiu fugir dali, daquele inferno bem no coração do Rio de Janeiro. Portanto tal notícia só poderia ser falsa, uma vez que se fosse verdade, o Regime Militar não ia admitir tal fraqueza, o que poderia encorajar a fuga de outros prisioneiros. Era evidente que tudo não passava de uma armação para esconder algo muito mais grave. Espero que os responsáveis por este e tantas outras atrocidades inimagináveis cometidas pelo regime, o qual dizia falsamente que estava protegendo a família brasileira enquanto torturava e assassinava os adversários, sejam identificados e julgados apesar da Anistia feita no governo militar de João Batista Figueredo, a qual não se aplica a essa caso. 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

DIANTE DE TI, MINHA ALMA CALA


















Quando me lembro de teu sorriso
E de teu olhar calmo e penetrante
Sinto fraco e confuso o meu juízo
E uma tendência à atos inconsequentes

Você me afeta de uma forma rara
E de um jeito que não sei descrever
Pois diante de ti, minha alma cala
E confusa não sabe o que dizer.

Em pensamentos eu sou preciso
No que te confessar imediatamente
Mas na tua presença fico indeciso
Gaguejo e não digo nada infelizmente

É se o meu coração dispara
Até quando eu penso em você
Quanto mais ao estar cara a cara
Onde me desespero de tanto te querer

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A LEI DA FICHA LIMPA E A DEMOCRACIA

Depois do retrocesso democrático promovido pela Ditadura Militar, que vigorou de 1964 a 1985, o Brasil vai se tornando uma democracia sólida, admirada e espelho para as novas democracias que vem surgindo recentemente. No entanto, como todos nós sabemos, uma democracia não se constrói da noite para o dia. Há sobressaltos e algumas instituições democratizam-se e consolidam-se mais rapidamente que outras. E este parece ser o caso de várias de nossas instituições como o Poder Legislativo e as autarquias, onde o retorno à democracia criou uma certa anomalia como se a liberdade implicasse no direito de usar o cargo para fazer o que bem entender. Embora um parlamentar, um ministro ou aquele que tenha sido escolhido para gerir uma autarquia esteja respaldado pela Constituição de 1988, o fato de ter o poder não o autoriza a usá-lo em benefício próprio. Apesar de não ser um problema exclusivo do Brasil – há países onde a situação é bem pior --, a corrupção é, de certa forma, fruto de nosso jovem período democrático, onde as instituições ainda estão não devidamente preparadas para ligar com esse tipo de situação. Aliás, a imprensa vem desempenhando um papel fundamental ao denunciar essa anomalia e exigir a apuração dos fatos, fruto da falta de legalidade de liberdade do período de exceção. Talvez tenhamos de esperar mais vinte anos ou mais para que nosso sistema político esteja sólido o bastante para que a corrução deixe de ser algo corriqueiro e não seja mais tolerada. A Lei da Ficha Limpa é um primeiro passo, mas ainda temos muito o que fazer.