segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 50


-- O que foi? -- perguntou Marcela, levantando-se, ao nos ver entrar. Apesar da escuridão, a cabana estava iluminada. Aliás, a luz da fogueira era tão intensa, que se via em nossas faces, talvez mais na minha do que na de Luciana, que algo acontecera.
-- Nada. Por quê? -- dissimulou Luciana.
-- Vocês estão ai, com uma cara estranha – disse ela.
Ana Paula, deitada do outro lado, parecia dormir um sono profundo.
-- Rasguei a sunga – asseverei envergonhado. Afinal não adiantava dissimular, pois mais cedo ou mais tarde todas acabariam percebendo.
-- Eu desequilibrei – adiantou-se Luciana, talvez me achando incapaz de inventar uma desculpa convincente. -- E fui tentar me agarrar nele para não estatelar no chão, minha mão escorregou e acabei puxando a sunga dele – acrescentou.
Ou para não criar problemas ou por pura inocência, Marcela não demonstrou desconfiança. Preocupou-se por outro lado em saber se Luciana não tinha se machucado.
-- Está tudo bem. Só me sujei de areia. Mas entrei na água e o Sílvio me ajudou a me lavar – explicou. Em seguida, ajudei-a a dar mais três passos e sentar-se no chão.
Enquanto auxiliava-a a se sentar, olhei para Marcela. Surpreendi-a com os olhos no rasgo, o qual se abriu ao curvar o dorso para ajudar Luciana. Envergonhada por ter sido surpreendida, disfarçou, apanhou um graveto e cutucou a fogueira. “Ela tá olhando. O que faço? Pôr a mão? Tapar ele? Vou virar”, pensei.
Nisso, Ana Paula acordou.
-- Pô! Não dá para vocês falar mais baixo? Tô querendo dormir – disse Ana Paula, fazendo que ia se levantar. No entanto, apenas virou de frente para nós e se encolheu numa posição fetal, voltando a dormir.
Apenas silenciamos por algum tempo.
-- É você quem vai tomar conta da fogueira primeiro? -- sussurrei para Marcela, procurando manter o rasgo longe do ângulo de visão dela.
-- É – respondeu-me ela baixinho.
-- Então vou dormir um pouco. Quando tiver na minha hora, você me acorda.
Luciana havia se deitado na outra extremidade, deixando-me como única opção o meio entre ela e minha prima. Foi ali que fui repousar.
Não adormeci de imediato. E até que o sono chegasse, fui tomado por devaneios com Marcela. Aliás, não poderia ser diferente. Estando apaixonado, o objeto de nossa paixão se torna inevitavelmente a fonte de nossos pensamentos.
Embora o longo tempo transcorrido entre os fatos narrados e o momento que faço esta narrativa possa ter apagado alguma coisa, uma parte significante daqueles devaneios ainda me permanecem vivos, como se de fato o tempo não tivesse passado. Ainda me lembro de imaginar eu e Marcela em algum ponto afastado daquela ilha, sobre a faixa de areia. Estamos frente a frente e de mãos dadas. Súbito, tomo-a nos braços e nos beijamos demoradamente. Isso me excita. E então minhas mãos percorrem-lhe o dorso quase nu. De repente, escorrego-lhe uma delas até o seio e o acaricio. Marcela cola ainda mais seu corpo ao meu. Pouco depois porém, ela para de me beijar e dar um passo para trás, empurrando minha mão. No entanto, não diz nada, nem uma palavra de reprovação. Nossos olhos permanecem fixos uns nos outros. Deixo escapar um sorriso. Tímida, ela abaixa os olhos. Então seus olhos esbugalham-se quando me fitam o falo, o qual escapara pela abertura, provocada pelo rasgo que Luciana fizera. Fico envergonhado e penso recolocá-lo para dentro. Mas antes que fizesse, Marcela pega-o delicadamente e o observa. A curiosidade a leva a acariciá-lo, o que me provoca intenso prazer. Instintivamente, levo-lhe a mão ao meio das pernas e também a acaricio com os dedos, talvez como um sinal de retribuição. Ela solta um suspiro, ergue a cabeça e nossos lábios se encontram novamente. Pego em sua mão (a que ainda mantém em meu falo) e a tiro dali. Em seguida, tento introduzi-lo no meio das pernas dela. Ao fazê-lo, quase perco o equilíbrio, o que nos faz interromper o beijo. Um tanto tímido, mas queimando-me nas chamas da volúpia, deixo escapar um sorriso contido. Ela o retribui, o que me instiga a seguir em frente. Agarro-a pela cintura e tento pô-lo novamente no meio das pernas dela. Marcela por sua vez facilita as coisas e as afasta. Mas, ao senti-lo ali, sobre a vulva, separando-os apenas as duas tiras que une os pedaços de pano e as quais anteriormente eram usados para cobrir-lhe os seios, experimenta o prazer. Abraça-me fortemente e aguarda que eu tome a iniciativa. Movo os quadris para frente e para trás com certa dificuldade, já que estamos de pé. Ela percebe isso e se solta, dá um passo para trás e finalmente o silêncio é interrompido pela sua voz meiga e apaixonada: “Vem cá! Vamos deitar”. Ela senta e em seguida se deita sobre a areia. Desata o nó e retira aquela peça usada como tapa-sexo. Retiro a minha sunga e me deito sobre ela. Abraço-a e penetro-a quase ao mesmo em que nossos lábios se encontram, como se o ato sexual não compreendesse só a penetração do falo mas também o acariciar das línguas. Lembro-me de sentir um prazer infinitamente maior do que aquele que senti ao penetrar Luciana. Lembro-me também de vê-la suspirar pouco depois, com os lábios rente ao meu ouvido: “Te amo! Te amo! Te amo...” Aliás, estas são as últimas lembranças daqueles devaneios. Talvez o que veio a seguir tenha se perdido com o tempo, embora eu ache improvável. Acredito todavia que a explicação é de que eu tenha adormecido, uma vez que o sono costuma vir justamente na melhor parte de nossas fantasias, levando-as para as partes mais inacessíveis de nossas memórias.
Na lembrança seguinte, ouço a voz dela, acordando-me para assumir o seu lugar. Diz que já deve ter passado mais de duas horas, desde o momento em que deitei.
-- Já não estou aguentando mais. Meus olhos não conseguem ficar abertos – confessou ela em seguida.
Levantei-me com dificuldade e ainda sonolento e disse-lhe para se deitar no meu lugar.
-- Vou ficar um muncado e depois acordo a Ana Paula – acrescentei, pronunciando erradamente a palavra “bocado”.
Observei-a a se deitar e as lembranças de meus devaneios que tivera ao ocupar aquele lugar antes dela me voltam à memória, o que me faz pensar: “Será que ela vai pensar em mim como eu pensei nela? Talvez. Ela pode pensar na família dela, nas pessoas que está procurando a gente, numa forma de sair daqui, no pé da Luciana. Em tanta coisa. Mas ela pode pensar em mim. Na gente. Nem que seja um pouquinho...”
Quando a observei novamente, ela estava imóvel. Então deduzi que adormecera.
Voltei a pensar em Marcela enquanto ficava sentado diante da fogueira ou de cócoras com uma vareta na mão cutucando-a. Todavia, diferentemente dos devaneios que tive antes de adormecer, estes não estavam envolto num manto de volúpia. Não que não tenha existido um quê de sensualidade, pois de fato houve; mas apenas num momento ou noutro. Meus pensamentos, a bem da verdade, focavam-se em encontrar uma solução se não definitiva, pelo menos temporária, capaz de me tirar das garras de Luciana e assim me dar mais liberdade de ficar com Marcela sem medo da outra.
Dentre todas as possibilidades, a mais terrível e a qual provavelmente eu jamais teria coragem de pôr em prática, implicava em cometer um dos atos mais revoltantes e condenáveis pela humanidade: o assassinato. Essa possibilidade inclusive me ocorreu depois de muito ponderar e chegar a conclusão de que, se de fato Luciana pusesse a vida de Marcela ou de minha prima em perigo eu não teria outra saída a não ser fazer uma encolha entre ela e as outras duas. O amigo leitor não teria dúvida de quem eu escolheria para sacrificar.
Antes porém de pensar nessa possibilidade, relembrei todas as ameaças que Luciana me fizera nos últimos dias. E então cheguei a conclusão de que estas se tornaram mais violentas e mais reais nos últimos dias. E sabia perfeitamente, embora ainda fosse um garoto, que estas não só não parariam como se aproximariam cada vez mais do insustentável, daquele momento onde a convivência entre Luciana, Ana Paula e Marcela seria impossível.
Não era a primeira vez que eu pensava em assassinar Luciana. Contudo, nunca pressenti o aproximar desse momento quanto naquela noite. Haveria de adiar esse terrível momento até que não houvesse mais saída, mas teria de ser feito. Ou Luciana morria ou ela mataria Marcela ou minha prima.
E pensando ter de executar essa terrível tarefa, cheguei a traçar alguns planos. Sabia que não poderia falhar, pois caso acontecesse eu próprio estaria em apuros. Desta feita, cheguei a conclusão de que teria de executá-lo longe das meninas, pois se fizesse diante delas, provavelmente tentariam me impedir, mesmo pondo a própria vida em risco. E mesmo que não impedissem, tal cena seria traumático por demais para minha prima. Éramos todos novos para presenciar uma cena dessas, minha prima, por ainda ser uma criança, não deveria sob hipótese alguma presenciá-la. Quanto a isso eu não tinha a menor dúvida.
Ocorreu-me que o melhor momento para fazê-lo era quando Luciana estivesse dormindo, o que seria executado na presença das duas. Se não fossem assim, teria de me afastar com Luciana da Cabana. Eu teria de me aproveitar dum momento de fraqueza dela, quando estivesse nos meus braços para matá-la, como já havia pensado dois dias antes. Foi então que tive uma nova ideia: “Poderia afogar ela? Quando ela desse um mergulho ou se abaixasse para se molhar. Era só agarrar no pescoço dela e segurar ela embaixo d'água. Ela ia se debater, mas ia se afogar.”
Naquele momento não pensei na possibilidade dela se escapar. Pelo menos não me recordo de ter pensado. Todavia, quando, dias depois, ponderei acerca dessa possibilidade com mais seriedade, isso me ocorreu.
Gostaria de ter pensando nessas alternativas com mais seriedade, já que dispunha de todo o tempo do mundo. Contudo, nossos pensamentos, diante de um fato novo e mais urgente, absorve esses fatos e muda completamente do rumo e de foco, dando lugar a outros pensamentos sem a menor relação com o anterior.
E a causa dessa mudança foi um ruído, o qual eu não sabia de onde via, mas que me fez gelar a espinha, o coração disparar e a sensação de medo invadir-me a alma de tal forma que por pouco não corri para junto das meninas e as acordei.
Durante um bom tempo, talvez uma meia hora, não fui capaz de me mover. Temia que um único movimento poderia chamar a atenção daquele que produzira aquele ruído. Imaginando que um grande monstro ou mesmo um animal feroz estivesse a espreita, elevei o pensamento para que, naquele momento, nenhuma das meninas se mexesse ou produzisse algum som.
Embora Ana Paula e Marcela tenham entrado naquela mata mais de uma vez e Luciana também embrenhara comigo a fim de me mostrar que naquela ilha não havia mais ninguém além de nós, ainda sim eu continuava a acreditar que algo nos observava. Talvez aquele ruído fosse um sinal de Deus por causa de meus pensamentos. Não era a primeira vez a pensar nessa possibilidade. Apesar de levar isso a sério, a existência de algo naquela ilha, procurando se ocultar da gente, pesava mais.
Acho que teria ficado imóvel a noite toda se Luciana não houvesse acordado e, vendo-me com aquela cara de assustado, indagado:
-- O que aconteceu?
-- Ouvi um barulho muito esquisito lá fora. Parecia o ruído de um bicho grande se aproximando – expliquei com a voz titubeante.
-- Mas já vem você de novo com essa história! Será que você é tão idiota assim para entender que não tem nada nessa ilha? Quantas vezes já não te disse isso? Enfia uma coisa nessa cabecinha: não tem mais ninguém além da gente aqui! -- disse ela, alterando a voz.
-- Eu sei que tem alguma coisa lá fora. Você ainda vai ver que eu tenho razão.
-- Me ajuda a levantar – pediu – que eu vou tomar conta dessa merda de fogueira para você dormir. Não estou com mais sono mesmo.
Ajudei-a e depois a sentar-se diante da fogueira. Só então deitei onde ela estivera deitada momentos antes e, minutos depois, cai no sono.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

SE VOCÊ QUER PARTIR DA MINHA VIDA

Se você quer partir da minha vida
Não há nada que eu possa fazer
O amor muitas vezes abre feridas
Que só o tempo é capaz de conter

Obrigar-te a ficar comigo agora
Como um dever e contra a tua vontade
Só te faria sofrer, embora
Sem ti sofrerei eu na realidade

Mas o meu sofrer é uma ferida
Cuja cicatriz tende a desaparecer
A tua, renunciando a tua vida,
É uma dor que só se faz crescer

Assim, vá quando chegar a hora
E leve contigo um quê de saudade
Melhor te ver feliz mundo afora
A sofrer feito uma ave enjaulada.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

SOB O VENTO DAS EMOÇÕES

























Eu procuro uma razão para me atirar aos teus braços
Mas o coração só conhece a linguagem dos sentimentos
Cuja lógica a razão desconhece. Não sei o que faço
Para conciliar mundos distintos e sem parâmetros.

As verdades do coração são um salto no abismo
De infinitas possibilidades; e provocam sensações
Que nos fazem dizer sim a todo paroxismo
Dos quais o futuro é uma fonte de recriminações

Mas a vida não é um viver nesse instável espaço
Das sensações? Viver não é sentir a cada momento
Emoções intensas como se tratasse do último passo?
Para o amor, buscar razões não tem cabimento.

Então que se dane todo esse meu preciosismo
Em procurar lógica em sentimentos e emoções
Atirar-me-ei aos teus braços sem o menor casuísmo
E então me deixarei guiar pelos ventos das sensações