terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

ADEUS Á INOCÊNCIA - CAP. 34

O quinto dia passou de forma tranquila, sem incidentes. Talvez porque nos ocupamos em melhorar a cabana no período da manhã e da tarde. Estava ruim demais dormir sobre a areia, sem algo que nos lembrasse nossas camas macias. Ana Paula e Luciana deram uma trégua e houve um momento até, quando ajudavam a amarrar os troncos de madeira para fazer nossas camas, que trocaram palavas amistosas, o que me fez lembrar do começo daquele trágico passeio e inclusive do nosso primeiro dia naquela ilha. Aliás, ao vê-las conversando sem insultos, sem ameaças, como se fossem grandes amigas fiquei emocionado e meus olhos lacrimejaram, o coração ficou apertado e uma sensação de prazer tomou conta, talvez afetado por aquelas lembranças. Então pensei: “Por que não tentam ficar amigas. Não é melhor assim? Olha como parecem felizes. As coisas seriam bem mais fáceis. A gente não sabe quando vai sair daqui. É melhor que não briguem mais, que não fiquem agindo como crianças mimadas”.
O único momento tenso, que quase estragou aquele dia, foi quando me aproximei da Marcela e, enquanto ela segurava um pedaço de pau e eu o prendia aos bambus com cipó, trocando palavras de forma íntima, cheguei a fazer-lhe uma carícia no rosto com a desculpa de tirar um fiapo de capim. Não imaginei que Luciana encontrava-se tão próxima. E quando nossos olhos se cruzaram, seus olhos pareciam faiscar. Ela me olhou como quem fuzila o inimigo. Corei-me e por alguns segundos fiquei paralisado. Ela não disse nada, mas também nem precisava.
-- Vi muito bem o que você estava fazendo com ela – disse Luciana mais tarde, quando havíamos dado o trabalho por encerrado e eu me afastara para apanhar frutas. Embora tenha dito que as apanharia sozinho, Luciana acabou me seguindo.
-- Eu não estava fazendo nada demais – declarei.
-- Não esqueceu do que disse ontem não, né? -- tornou ela, andando ao meu lado.
-- Não.
-- É bom mesmo!
Aquele tom ameaçador, cujo intuito era me incutir medo e terror, acabou por me irritar. Por um momento senti vontade de partir-lhe para cima e esmurrá-la até a raiva passar e mostrar-lhe quem é que mandava naquela ilha; mas não tive coragem, pois me sentia impotente de diminuto diante dela. Preferi baixar a cabeça e engolir aquele sentimento. Ah, mas se ela persistisse com suas ameaças, se tivesse continuado a torrar-me a paciência, provavelmente eu não teria aguentado; mas ela ficou muda por algum tempo, e quando voltou a falar, ela o fez de forma mansa. Chamou-me a atenção para duas goiabas amarelas no topo da goiabeira.
-- Não vai ser fácil apanhar elas – declarei. -- Essa vara não vai alcançar.
-- Vai sim. Eu te ajudo a subir no pé.
Consegui apanhar não só aquelas duas frutas amarelas, como mais três escondidas entre as folhas. Isso, no entanto, não era suficiente para matar nossa fome. Precisávamos encontrar outras frutas. Nas bananeiras ali próximas não havia mais bananas maduras; havia sim alguns cachos, mas ainda não estavam na época de serem colhidas.
Talvez houvesse outro bananal um pouco mais adiante; afinal, bananeira é uma planta que cresce com facilidade, bastando para isso um lugar úmido, como aquele onde a água corria com abundância. Sugeri à Luciana que fôssemos procurar.
-- Vamos. Isso aqui – mostrou-me as goiabas – não mata nem a nossa fome.
-- É mas se a gente não encontrar mais nada, vamos ter que dividir.
-- Eu como sou a maior, fico com a maior; tua priminha fica com essa bem pequenininha aqui ó.
Não gostei da forma com que ela se referiu à Ana Paula. Ela não tinha o direito de destratar minha prima assim.
-- Por que você implica tanto com a Ana Paula?
-- É ela quem implica comigo. É uma pirralha, uma fedelha mimada, isso sim. Mas comigo ela não vai se criar não. Se ela se meter comigo, vai levar em dobro.
-- Eu já disse: não quero briga entre vocês. A gente tem que tentar viver em harmonia até sermos resgatados.
-- Isso, se formos – atalhou.
-- Mesmo que desistam de procurar a gente, uma hora alguém vai aparecer aqui.
-- O problema é quando – afirmou, como se tivesse certeza de que ficaríamos um bom tempo naquele pedaço de terra desabitado, esquecido por Deus.
Andamos mais uns cem metros até avistarmos uma espécie de vala, onde cresciam bananeiras.
-- Ali – apontou Luciana.
Encontramos um cacho em que as bananas começavam a madurar. Ainda não estavam prontas para serem comidas, todavia, de comum acordo, achamos por bem apanhá-las e levar para a cabana. Aliás, foi Luciana quem nos lembou que as fruas fora do pé amadureciam mais rápido.
-- E agora? O que vamos fazer? -- perguntou ela, quando voltávamos.
-- Eu só vejo uma saída: pescar um ou dois peixes.
-- Então a gente precisa voltar rápido, porque o sol já está se pondo. Quer que eu te ajude a pescar?
-- Não, não. É melhor eu ir sozinho; assim eu consigo me concentrar melhor. Além do mais, você pode fazer barulho e acabar espantando o peixe.
-- Ah, mas eu ia adorar ficar lá contigo – asseverou, pegando em minha mão feito uma namorada. Confesso que senti vontade de retirar a mão, de sair correndo e me afastar dela. Não era ela quem eu queria que estivesse ao meu lado, dizendo aquelas palavras, de uma forma tão meiga, tão cheia de carinhos.
E por um momento, meus pensamentos voaram até a cabana, até Marcela, e relembrei do momento em que ficamos lado a lado, amarrando o cipó, dando forma a uma cama que provavelmente seria ocupada por ela. E então veio a imagem de suas mãos delicadas, de seus seios redondos. Lucana tinha uns seios maiores, mais crescidos, mas os de Marcela tinham algo que me seduzia, que me faziam desejá-los; embora toda vez que pensava nisso, sentia uma sensação de estar cometendo um pecado, que entretanto não me impedia de continuar a pensar, a desejá-los.
-- Me dá um beijo – pediu Luciana.
-- Não, agora não. Precisamos voltar rápido, pois eu tenho que pegar pelo menos um peixe para a gente comer – esquivei.
-- Um beijo não vai demorar tanto assim – afirmou ela, puxando-me pelo braço. -- Aposto como se fosse a Marcela você não recusaria.
-- Não fale besteiras.
-- Pensa que não sei como você trata ela? Eu reparei nisso desde que vi vocês juntos na casa do teu tio. Você não tira os olhos dela, fala mole com ela, cheio de atenções. Mas pode tirar seu cavalinho da chuva, porque se eu pegar vocês de beijos e abraços, eu acabo com ela. E você não vai querer isso, vai?
Tal qual na noite anterior, senti uma sensação horrível. Não era só o medo e a impotência diante daquela mulher ameaçadora, esperta, que sabia ter-me sob seu controle. Talvez suas ameaças fossem apenas para me assustar, mas e se não fosse? E se num ataque de ciúmes ela realmente partisse para cima da Marcela?
-- Não – foi a resposta que dei.
-- Então me beija – insistiu.
Beijei-a. Foi um beijo frio, mecânico, sem emoção. Também foi um beijo rápido, apenas um toque mais longo nos seus lábios. Dir-se-ia de um beijo de novela
-- Agora vamos – afirmei. E voltei a caminhar a passos largos em direção à cabana, onde Ana Paula e Marcela nos aguardavam.

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