terça-feira, 22 de outubro de 2013

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 40


Pouco depois, lá fomos nós pescar. Marcela e Ana Paula resolveram nos acompanhar. Queriam ver se Luciana realmente conseguiria pegar alguma coisa. E essa ideia, que partiu de Ana Paula, não me agradou, pois Marcela teria de me assistir pegando na mão da outra para ensiná-la a fazer pontaria. E essa imagem de mim colado em Luciana, a qual jazia nua, provocava-me um grande desconforto porque sabia que Marcela nos veria como um casal em perfeita sintonia e certamente concluiria que estaríamos namorando, uma vez que Luciana não saia de perto de mim. Por mais boba e ingênua que pudesse ser – o que Marcela não era – haveria de concluir que eu perdera definitivamente o interesse por ela.
Fomos ao mesmo local onde anteriormente consegui apanhar um peixe. Não sei se o amigo leitor recorda, mas tratava-se de um lugar cheio de pedras, onde se podia ver os peixes nadando.
Tanto Ana Paula quanto Marcela não quiseram se arriscar por entre as pedras, o que teriam de fazer até chegar onde se podia ver os peixes. Preferiram ficar à distância apenas nos observando e fazendo comentários quando, ao lançar o dardo, Luciana errava o alvo e deixava o peixe fugir. Aliás, aproveitavam a oportunidade para rirem e provocar Luciana que, nas primeiras vezes, levou na esportiva, mas aos poucos começou a irritar-se a ponto de gritar com as duas que se não parassem lançaria aquele dardo contra uma delas e com certeza a trespassaria. Assustadas, ambas silenciaram-se e pouco depois afastaram-se sem dizer palavras.
--Assim é melhor! -- exclamou Luciana. -- Elas estavam me tirando do sério. Faltava pouco para enfiar essa vara nas duas. Qualquer hora elas vão se ver comigo de verdade – acrescentou por fim.
Não respondi. Fiz de conta que não ouvira.
Deixei-a tentado fisgar o peixe e me afastei para encontrar outros que fossem maiores. Certamente os acharia.
Esqueci Luciana por algum tempo e procurei me concentrar na pescaria, embora de quando em quando eu a ouvia esbravejar por ter pela enésima vez errado o alvo.
-- Quer saber de uma coisa? Não quero mais saber desse negócio de pegar peixe. Isso não é para mim. Tenho de reconhecer que não levo jeito para isso. Sei pegar numa vara e usar ela direitinho, mas não nesse tipo de vara – acrescentou em tom jocoso. -- Vou voltar para a cabana. Te espero lá.
Nisso ouvi dois passos e um som mais alto, como o de uma queda. Súbito, o grunhido de dor penetrou-me nos ouvidos, levando-me virar imediatamente a cabeça em direção de Luciana, a qual jazia caída sobre as pedras, tentando levantar-se.
-- O que aconteceu? -- perguntei-lhe.
-- Acho que machuquei o pé – foi o que ela disse com dificuldade, demonstrando está sentindo muita dor.
Corri em sua direção e a ajudei a se sentar.
Ajoelhei-me de frente e peguei-lhe na perna ferida. E ao tocar-lhe o tornozelo, Luciana gemeu de dor, como se esta fosse insuportável.
-- Acho que você torceu mesmo o pé – deduzi, embora não tivesse certeza.
-- E agora? O que faço? -- foi a vez dela indagar.
-- O jeito é eu te levar até a cabana. Pelo jeito você vai ter de ficar de repouso até ele melhorar.
Para tirá-la do meio das pedras, peguei-a no colo. A dor talvez muito intensa, arrancava-lhe lágrimas dos olhos, tornando-a frágil como um bebezinho, o que não lembrava em nada a mulher durona, altiva e impositora dantes. Aliás, ao vê-la assim, tão frágil e incapaz, senti um que de prazer em perceber que enquanto estivesse impossibilitada não seria uma ameaça para ninguém, não me obrigaria a possuí-la contra a vontade e nem me impediria de me aproximar de Marcela, por quem continuava apaixonado. Minhas esperanças que jaziam perdidas, ganharam um novo alento. Nisso me vi caminhando ao lado de Marcela, se afastando da cabana. E num ponto distante, eu a tomava nos braços e nossos lábios se encontravam num beijo intenso, cheio de ternura e paixão. Roberta poderia controlar tudo a sua volta, mas não meus pensamentos. E ali no meu colo, tão impotente e incapaz de exercer seu domínio sobre mim, não imaginava o que se passava nos meus pensamentos.
Ao atingirmos a faixa de areia, eu a pus de pé e, abraçando-a enquanto ela se apoiava em meu ombro, fomos caminhando de volta à cabana.
Ela realmente não conseguia por o pé no chão. Tentou por duas vezes mas a dor foi tamanha que seus gritos ecoaram. “Bem feito! Foi castigo de Deus! Ele quis se vingar dela o que ela andava fazendo com a gente”, pensei com satisfação, sem no entanto atinar que, assim como a maioria das pessoas incultas, atribui a Deus características humanas como se em alguns momentos Este fosse menos deus e mais humano.
Ao chegarmos a cabana, não encontramos Ana Paula e Marcela. Certamente, chateadas com as ameaças de Luciana, haviam ido para algum lugar da ilha.
– Deixa eu te ajudar a sentar. Aí você deita para não forçar o pé – sugeri.
Foi o que Luciana fez. No entanto acrescentou em seguida:
-- Nossa! Como dói! Será que isso vai demorar a passar?
-- Não sei. Talvez uns dois ou três dias, quem sabe.
Fez-se um rápido silêncio. Nesse ínterim não pude evitar sentir prazer na dor daquela jovem ao meu lado que, embora fosse mais velha que eu, parecia agora uma criança pequena necessitando de todos os cuidados. Sabia que provavelmente não sairia da cama por alguns dias, todavia não fui capaz de atinar que, por causa disso, ela me faria de seu escravo, de alguém que teria de estar a sua disposição o tempo inteiro para ajudá-la inclusive nas necessidades mais básicas.
-- Vou atrás das meninas e contar o que aconteceu – falei.
-- Mas você vai me deixar aqui sozinha?
-- O que tem? Não vou demorar.
-- Deixe elas para lá. Eu não quero ficar sozinha. Vem cá. Deite aqui do meu lado – ordenou, fazendo gestos com a mão.
Pensei em não obedecer. Mas ao vê-la naquele estado, senti compaixão por aquela pobre infeliz. De mais a mais, não queria contrariá-la na primeira oportunidade. Isso poderia irritá-la e levá-la a fazer alguma besteira mesmo naquele estado. De forma que acabei fazendo o que ela pedira. Então Luciana, com certa dificuldade, rolou para o lado e se aninhou nos meus braços como se eu fosse seu amante e protetor.
Minutos depois ouvi vozes ao longe. Ana Paula e Marcela retornavam. Como num gesto instintivo, procurei me desvincilhar de Luciana para que elas não nos vissem assim, contudo Luciana apercebendo minhas intenções adiantou-se:
-- Por que está fugindo? Só porque aquela vadiazinha está vindo?
-- Não. Não é por causa disso. Preciso procurar alguma coisa pra gente comer – menti.
-- Já te avisei. Se você se engraçar com ela, acabo com a raça dela num piscar de olhos.
-- Já disse que não vou. Que merda! Quer que a gente morra de fome? -- esbravejei.
-- Então vá, mas sozinho.
Ao sair deparei com as duas do lado de fora da cabana. Notando algo de errado, Ana Paula indagou:
-- O que aconteceu?
-- Luciana torceu o pé e não está conseguindo andar – expliquei.
-- Bem feito! -- exclamou baixinho para a outra não ouvir. -- Tomara que fique assim um bom tempo.
-- Também não fale assim. Não se deve desejar o mal para outros – interveio Marcela.
-- Falo mesmo! Tomara que fique aleijada para o resto da vida.
-- Bem. Só não vão arrumar briga como já fizeram antes. Vou voltar lá nas pedras e ver se pego alguma coisa para a gente comer. Se não conseguir, vamos ter de comer frutas novamente.
-- E o pior que já estou ficando com fome – acrescentou Ana Paula.
Afastei e voltei onde havia deixado as lanças. Apanhei-as e voltei a posição onde jazia antes de Luciana se machucar. Agora sozinho, sem ninguém para me tirar a concentração, poderia ser melhor sucedido. Haveria de pescar dois ou três peixes grandes para passarmos o resto daquele dia de barriga cheia. E provavelmente tornaria a fazer o mesmo no dia seguinte, no outro e nos outros, até sairmos daquela ilha, pois nenhum de nós acreditávamos que ficaríamos ali para sempre.

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