domingo, 7 de novembro de 2010

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 15

Nós nos alimentamos mais uma vez com bananas. Não estavam tão maduras, no entanto, era o que tínhamos para comer naquele momento. Não dava para ficar exigindo algo melhor quando nosso objetivo principal era sobreviver até que alguém nos encontrasse. Ainda era o segundo dia naquela ilha e certamente passaríamos muitos outros. Aliás, nossas opiniões acerca do período de estadia ali era das mais divergentes. Uma achava que seríamos encontrados em mais um ou dois dias; outras, menos otimistas, arriscavam de cinco a dez dias. Agora eu, talvez com exagero de pessimismo, cheguei a dizer que poderiam levar meses para nos achar, embora no fundo não quisesse acreditar nessa possibilidade. Claro que isso provocou certa comoção. Todas sem distinção foram unânimes em dizer que eu estava errado, que jamais nossos pais nos deixariam perdidos todo esse tempo. Entretanto, argumentei:
-- Por que não? Por acaso sabem onde a gente está? Claro que não fazem a menor idéia. E se nos afastamos muitas milhas de onde a lancha afundou? Não vão encontrar a gente assim tão fácil não. Se não acharam a gente em mais uma semana, vão suspender a busca – expliquei.
-- Se isso acontecer, então eles nunca vão achar a gente – deduziu Ana Paula, sentada ao meu lado. Estávamos os quatros atrás da fogueira, de frente para o mar devorando as últimas bananas. Já havia começado a escurecer. No céu ainda podia se ver a formação de algumas nuvens, levando-me a crer que teríamos chuva no dia seguinte.
-- Claro que isso não vai acontecer – discordou Luciana. – Nunca que vão deixar de procurar a gente! Eu conheço meus pais – afirmou ela, atirando a casca de banana ao longe e ao mesmo tempo deixando transparecer certo aborrecimento.
-- E você, Marcela? O que acha? – inquiri, voltando-me em sua direção. Ela estava sentada à esquerda do meu lado.
-- Sei lá! Mas acho que a Luciana tem razão. Eles não vão parar de procurar a gente enquanto não achar. Nossos pais têm dinheiro e podem pagar para continuar as buscas.
-- Espero que vocês estejam certas. Mas já vi muitos casos assim. Se durante um tempo eles não encontrar a gente, vão parar de procurar. Pois vão achar que a gente morreu afogado ou foi comidos pelos tubarões. Quem não pensaria?
-- Nossa! Que horror! – interrompeu Luciana. – Fiquei até arrepiada.
-- Que coisa mais horrível! Como você tem coragem pensar uma coisa dessas?
-- Calma, Ana Paula! Não precisa ficar desse jeito. – Acho que, ao se imaginar sendo devorada por tubarões, minha prima tenha perdido o controle de suas emoções, talvez por deduzir que isso possa ter acontecido ao pai. – Eu só estava supondo o que nossos pais podem achar. Mas mesmo que eles desistam de procurar a gente, acho que vamos sair daqui.
-- Como? Se eles não vão mais procurar a gente? – perguntou Ana Paula, alterando a voz. Ela havia se levantado e agora parecia por demais inquieta, andando de um lado para outro na nossa frente.
-- É mesmo? Como? – Quis saber Luciana.
-- Como? Vocês não fazem a menor idéia? – perguntei, aumentando o volume da voz, tal como fizeram elas.
-- Não – responderam as duas. Somente Marcela não dizia nada, como se só prestasse atenção àquela disputa para saber até onde iríamos.
-- Muito simples – falei, diminuindo o tom da voz. – Essa ilha não é uma ilha perdida no oceano. Mais dia menos dia, alguém vai aparecer por aqui e aí vão encontrar a gente.
-- É! Tem razão – concordou Luciana. -- Não pensei nisso.
-- É verdade – proferiu Marcela, com aquele seu jeitinho tímido e tranqüilo. – Não existem mais ilhas desconhecidas na terra. Não sei a que país esta pertence, mas que ela tem dono, ah isso tem! Vocês podem ter certeza.
-- Mas e se demorar muito para alguém aparecer aqui? – quis saber Ana Paula, agora já mais calma.
-- Vamos ter que esperar – falei. – Não sabemos quanto tempo vamos ficar aqui. Podemos ser encontrados em poucos dias, como pode até levar meses. O que não podemos fazer é perder as esperanças. Por isso temos que nos mantermos unidos. E vocês duas – apontei para Luciana e Ana Paula – podem parar com essa desavença. Nada de ficar brigando uma com a outra. Fui bem claro?
Ambas olharam entre si e em seguida menearam a cabeça em concordância. Foi bom termos iniciado aquele assunto, pois serviu para tentar selar a paz entre a mais velha e a mais nova do grupo. Se realmente a harmonia voltaria a habitar naquela ilha, só o tempo para dizer.
-- Sabe o que eu estava pensando – disse Marcela, pouco depois, mudando de assunto. – Ao invés de ficar comendo frutas o tempo todo, por que a gente não tenta pescar. Viram que peixes enormes têm ali naquelas pedras?
-- Não, não reparei. – falei. “Como eu não havia pensado nisso antes”, pensei logo em seguida. – Mas você deu uma boa ideia.
-- Mas como a gente vai pescar? Não temos vara? – quis saber Ana Paula.
-- Como, eu não sei. Mas a gente dá um jeito – asseverei, um tanto empolgado com a ideia. Afinal de contas, aquele negócio de ficar só comendo frutas não poderia continuar por muito tempo. Ou acabaríamos com elas em poucos dias, ou nos fartaríamos antes. Essa era a verdade.
Creio que se a ideia da pescaria não tivesse surgido naquele instante, certamente não demoraria a surgir. Mais cedo ou mais tarde, um de nós teria sugerido tal coisa. Pois quando a necessidade se torna urgente, o instinto de sobrevivência fala mais alto e acabamos nos surpreendendo com nós mesmos, com nossa capacidade de improvisar e de encontrar alternativas. O homem é assim: não desiste facilmente. E é isso que nos faz tão superior a todas as espécies de seres vivos.
-- Eu já vi num filme – comentou Marcela. – Não me lembro o nome agora, que havia um cara perdido numa ilha. E ele pescava com uma lança de madeira. Ele mirava o peixe e atirava a vara -- fez um gesto com a mão como se atirasse uma lança invisível. -- Aí o peixe era fisgado.
-- É uma ideia interessante – comentei ao me levantar.
-- O problema vai ser acertar o peixe – riu Luciana. – Do jeito que são espertos.
-- A gente acaba aprendendo.
-- Por falar em peixe, vou tomar um banho. Vocês não querem ir também? – convidou Ana Paula, dirigindo-se em direção ao mar.
Foi como se ela estivesse nos dado uma ordem. Todos, sem exceção, saímos correndo feito crianças em direção à água.

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