terça-feira, 11 de agosto de 2015

EXIMINDO-SE DE RESPONSABILIDADES

O ser humano por natureza necessita constantemente de um bode expiatório para culpá-lo pelo seus próprios fracassos, pois esta é a melhor forma de se livrar do fardo da responsabilidade. Assim se faz àquele e a quem depositou sua confiança, dizendo: “Ele me enganou. Eu acreditei nele. A culpa não foi minha” ou coisas desse tipo. Como exemplo disso pode-se citar os políticos que, depois de eleitos, não horam o cargo para o qual foram eleitos, e então o eleitor prefere culpá-los por isso, sem se dar conta de que foi ele, o eleitor, quem fracassou nas suas escolhas, pois o poder só deve ser dado a quem o merece. Claro que em alguns casos a índole de um político só se revela quando lhe é dado poder, mas isso não exime o eleitor de seu erro. Outros, na impossibilidade de encontrar um verdadeiro culpado pelo seu fracasso, pelo simples fato de não existir um bode expiatório, atribui tal fracasso à vontade de Deus. Aliás, este é o pior tipo de ser humano, pois além enganar a si próprio, ainda foge de sua responsabilidade usando a fé como forma de não ser contradito. Essa é para mim a pior forma de esperteza, a qual não contribui em nada para um mundo melhor; ao contrário: rebaixa o homem. Mas infelizmente este é o caminho mais fácil, menos penoso e o qual exime as pessoas de suas responsabilidades. Lamentavelmente, só uma ínfima minoria não envereda por este caminho. Esta minoria porém não se encontra por aí.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 61

Em disparada, retornei à cababa, na esperança de encontrar algum sinal de fogo para que pudesse reacender a fogueira. Por isso não me preocupei com a minha nudez e menos ainda com a reação da Marcela quando a visse. Sabia que ela não deixaria de fitar-me, principalmente o sexo que, por suas peculiaridades, era uma fonte inesgotável de curiosidade do sexo oposto.
Cheguei e ajoelhei diante do fogo morto. Não havia o menor sinal de chamuscamento. Mexi nos gravetos e soprei a ponta queimada de cada um, na esperança de surgir uma fagulha vermelha, mas não encontrei o que procurava. “Ela apagou mesmo!”, conclui.
-- Quando chegamos, ela já estava apagada – disse Marcela. Só então lembrei-me de sua presença. Ela jazia sentada numa das “camas”, atrás de mim. No entanto, levantou-se e aproximou-se. -- Você acha que consegue acender ela de novo?
-- Vou tentar. A gente não pode ficar sem ela. Como é que a gente vai assar os peixes?
-- É mesmo! Nem me lembrava disso – disse ela, parando na minha frente e fitando-me com certa curiosidade, embora não olhasse diretamente para o púbis. -- Cadê as meninas?
Levantei a cabeça e fitei-a. Por um momento, meus pensamentos esqueceram a fogueira e concentraram-se nela. Não pude evitar a vontade de me levantar e tomá-la nos braços. Ainda mais agora que estávamos ambos nus. E caso a abraçasse, certamente nossos sexos se tocariam, eu ficaria excitado e muito provavelmente isso a assustaria. “Não. É melhor num ficar pensando nessas coisas. Ele vai crescer. Ficar duro. Vai sim! Luciana vai chegar. Vai ver. Vai saber que eu estava pensando na Marcela. Em fazer aquelas coisas com ela”, pensei.
-- Ficaram para trás. Eu vim correndo.
Marcela agachou-se na minha frente, apanhou um graveto e docilmente perguntou:
-- Quer que eu te ajudo a acender?
-- Quero – respondi. -- Vou ter que fazer que nem da outra vez: esfregar um pau no outro até pegar fogo. A gente vai ter que apanhar um pouco de folhas e capim, porque eles pegam fogo mais rápido – expliquei.
-- Vou buscar pra você – disse ela, levantando-se.
Novamente tive de resistir ao impulso de estender a mão e pedir para que não se levantasse e viesse aninhar em meus braços, mas temi pela chegada de Luciana e Ana Paula. Elas poderiam chegar de repente. Não deveriam estar longe. Aliás, se não fosse o tornozelo da Luciana, que ainda não havia melhorado de todo e o qual a impedia de correr, elas já teriam chegado. Isso contudo não me impediu de, enquanto Marcela se afastava, levantar a cabeça e olhá-la no traseiro enquanto deixava a cabana. Súbito pensei: “É mais bonito que o da Luciana. Mais redondo, mais cheio ele é. Que nem as pernas dela. Mais grossas. Se não fosse elas, se elas num tivesse vindo...” 
Quando olhei para fora, vi ambas aproximando-se. Caminhavam uma ao lado da outra, contudo, em silêncio como duas estranhas. Ana Paula aproximava-se de cabeça baixa, como se olhasse onde punha o pé; Luciana por outro lado olhava para frente, de forma altiva, senhora de si. A falta de afabilidade entre elas era evidente.
Encontraram com Marcela do lado de fora da cabana. Pararam e ouvi Luciana perguntar:
-- Ele conseguiu acender?
-- Não. Já estava toda apagada – respondeu Marcela. -- Tô indo buscar um pouco de capim seco para ver se ele consegue acender ela novamente. 
-- Vou com você – disse Ana Paula.
Luciana entrou logo em seguida. 
-- Se a gente não tivesse que usar essa fogueira para assar os peixes, a gente não precisava mais dela -- foi logo dizendo. -- Se nesses quase trinta dias, não chamou a atenção de ninguém que poderia estar nas proximidades dessa ilha não vai chamar mais. Mas eu não vou comer peixe cru. Não sou japonês. E só temos ela para assar eles. Então, é bom que você consiga acender ela – proferiu, como se desse uma ordem.
-- Vou conseguir sim. É só fazer que nem eu fiz da primeira vez. Deu certo. Então vai dar de novo. Só vai demorar. Mas agora vai ser mais fácil. Tenho o machado e sei como fazer – falei. Selecionando um graveto mais grosso e resistente. Em seguida, peguei um pedaço de um galho, tirei uma lasca nele com o machado, para deixá-lo plano, e fiz uma pequena fenda. Por último fiz uma ponta no graveto. -- Pronto! Agora é só ir esfregando esse graveto assim – fiz para ela ver. -- Vai começar a soltar um pozinho. É da madeira. É ele que vai pegar fogo. Antes, ele vai começar a sair fumaça. Vai demorar um pouco, mas deve funcionar.
-- Depois quero ir de novo pescar contigo – disse.
-- Mas você não sabe pescar. Já tentou duas vezes e não conseguiu pegá nada. Se você for, vai é acabar me atrapalhando. Não sabe ficar quieta – falei, enquanto esfregava o graveto na fenda para lá e para cá.
-- Mas quero ir assim mesmo. Prometo que não vou te atrapalhar – insistiu, agachando do meu lado e pondo uma das mãos sobre minha coxa. -- Só quero ficar lá, vendo você pescar.
-- E me vigiando... -- acrescentei. -- Sei muito bem o que você quer.
Nosso ela escorregou a mão até o meio de minhas pernas e pegou em meu falo.
-- Tenho que tomar conta do que é meu. Ainda mais com ele solto assim -- e deixou escapar um sorriso malicioso. -- Aposto como aquela vadia já estava de olho nele. Doida pra abrir as pernas pra você enfiar ele nela.
-- Sai daqui! Não me atrapalhe – pedi. -- Preciso de concentração e não posso parar, senão não dá certo. 
Ela obedeceu, ainda mais que as outras duas se aproximavam, conversando alegremente.
-- Será que isso aqui dá – perguntou Marcela, mostrando-me o maço de capim e dois punhados de folhas.
-- Acho que sim – respondi. -- Só amassa elas bem que fica mais fácil para elas pegar fogo – acrescentei.
Marcela agachou-se de frente para mim e ficou olhando para minhas mãos ocupadas e impacientes. Embora não segurasse o graveto onde ele estava em contato com a base, podia senti-lo quente. “É bom isso acender logo! Minha mão já tá doendo. Num vou aguentar esfregar isso por muito mais tempo”, pensei.
Minutos depois, surgiram os primeiros sinais de fumaça.
-- Encosta eles aqui do lado – pedi a Marcela, que estava com um punhado de arbustos numa das mãos. -- Já já vai pegar fogo.
De fato não demorou a chamuscar. Marcela pôs um punhadinho de folhas amassadas e soprei, levemente. As chamas surgiram. Em seguida ela colocou mais um punhado de folhas e um maço de arbustos. As chamas ficaram maiores. Nisso, empurrei tudo para baixo da fogueira, onde jaziam os gravetos e galhos maiores.
Quando esta acendeu, as meninas bateram palmas. Via-se a mesma alegria que elas esboçaram quando a acendi pela primeira vez, há mais de vinte dias.
-- Da próxima vez que vocês deixarem ela apagar, vocês vão acender ela – falei.
-- É só a gente usar lenha mais grossa que ela não se apaga assim tão fácil – disse Marcela. -- Ai a gente não precisa ficar se preocupando tanto com ela.
-- É, mas aonde a gente vai arrumar lenha mais grossa? -- perguntou Ana Paula. -- A gente já custa achar esses galhos aí -- apontou para alguns galhos recolhidos no dia anterior.
Realmente, toda vez que íamos apanhar lenha para a fogueira, apanhávamos os galhos que conseguíamos quebrar com as mãos. Até porque até quatro o cinco dias atrás não tínhamos com o que cortar uma árvore. E embora essa realidade tenha mudado, a tarefa de encontrar lenha para a fogueira continuava sendo das meninas e elas não sabiam manipular aquela ferramenta. 
-- É só cortar as árvores – disse Luciana.
-- É mesmo! Você fez não aquilo ali – Marcela apontou para o machado esquecido no fundo da cabana. -- Se ele cortou esses paus da cabana, pode cortar lenha para a fogueira.
-- Só que pra fogueira, a gente precisa de madeira seca – falei. -- E eu não vi nenhuma árvore seca ainda.
-- Lá em cima tem uma árvore seca – lembrou Luciana – Aquela que o raio partiu ao meio.
-- É verdade – falei, recordando daquela terrível expedição, a qual eu desejaria esquecer. -- Mas eu não vô lá não. É muito longe e não gosto de ficar entrando nessa mata. 
-- Mas não precisa de uma árvore seca. Verde também pega fogo – disse Marcela.
Até então, eu jamais ouvira dizer que árvores verdes pegavam fogo. Pensava que só as secas eram capazes de se queimar. Aliás, Ana Paula e Luciana também não sabiam disso, como confessaram. No entanto, Marcela nos lembrou que eram da madeira verde que se fazia carvão vegetal.
-- Madeira verde pega fogo sim – insistiu ela, quando insisti que não. -- Eu sei porque o amigo de meu pai é dono de uma carvoaria. Ele disse que não precisa esperar a madeira secar para fazer carvão.
Não a contestamos, já que ela demonstrava ser a mais inteligente do grupo. 
-- Então depois a gente experimenta – falei.
-- Bom, agora que a fogueira está acesa, vocês não acham melhor a gente ir atrás de alguma coisa para comer, antes que fique de noite? -- perguntou Luciana, levantando-se.
-- É mesmo! -- disse Ana Paula. -- Já estou começando a ficar com fome.
-- A gente tem que encontrar uma outra forma de arrumar mais comida. As goiabas praticamente acabaram, as bananas estão verdes, e ficar comendo só esse pouquinho de peixe não vai dar muito certo não. A gente não está se alimentando direito. Vocês já repararam que a gente está emagrecendo? -- comentou Marcela.
Ambos concordamos. Aliás, a perda de peso ficara mais evidente em Marcela, por ter maios volume. Por outro lado, não se via diferença em mim, uma vez que eu sempre fora um garoto franzino.
-- A gente não sabe quanto tempo a gente ainda vai ficar aqui. Pode ser que vai demorar pra gente sair dessa ilha. Tenho essa impressão. Se a gente não se alimentar melhor, a gente pode ficar doente e ai não temos médico e nem remédio. Se a gente ficar doente, é bem capaz de morra – concluiu.
Olhamos um para os outros preocupados. Ela estava com a razão. Mas o que fazer para melhorar a nossa alimentação? No dia anterior, ocorreu-nos de usar flechas para mantar algumas daquelas aves que viviam na ilha, mas isso ainda não tinha sido posto em prática. E de mais a mais, a carne de ave não supriria as nossas necessidades. Precisávamos de outras fontes de vitaminas. Mas como obtê-las?
-- Você tem razão – falei.
-- É, mas vamos deixar para discutir isso enquanto a gente come. Primeiro, temos que ir atrás de comida – interveio Luciana. -- Por que vocês duas não entram de novo na mata e tentam achar alguma coisa pra comer? Eu fico aqui tomando conta da fogueira e o Sílvio vai pescar.
-- E por que que tem que ser você? Por que não eu ou a Marcela? -- protestou Ana Paula, provavelmente para afrontá-la, já que ambas não perdiam a oportunidade de alfinetar uma a outra.
-- Porque o meu pé ainda não está bom. Se eu subir esse morro, é bem capaz dele se machucar de novo. Ele ficou doendo quando subimos da última vez. Não quero me arriscar. Quando eu estiver melhor, pode deixar que eu irei, até sozinha se for preciso – explicou ela, contrafeita.
-- É verdade, prima. O pé dela ainda não melhorou direito – falei, procurando defender Luciana para evitar um novo desentendimento, embora realmente fosse muito arriscado ela entrar na mata e subir o morro sem que o tornozelo estivesse totalmente recuperado. 
Marcela se levantou e sem olhar para mim, chamou Ana Paula para acompanhá-la, dizendo que era melhor ir logo, antes que escurece. No entanto, acrescentou:
-- Mas não sei se vamos achar alguma coisa.
-- Aproveita e trás lenha para a fogueira – falei.
-- Tá. Pode deixar... – disse ela saindo.
Levantei, apanhei a lança que jazia ao lado da entrada e, sem dar muita importância à Luciana, disse que ia pegar alguns peixes. Ao me ver saindo, levantou-se e correu atrás de mim.
-- Eu vou com você.
-- E quem vai ficar tomando conta da fogueira?
-- Ninguém.
-- Mas alguém tem que ficar – falei. -- Senão ela pode apagar de novo.
-- Não, não vai não. Eu pus mais lenha nela. E vai demorar pra queimar ela toda. Até lá a gente já voltou. E também não vamos demorar muito. Você é rápido com esse troço aí. -- disse ela se referindo a lança que eu usava para fisgar os peixes. -- Mas vou por aquele resto por segurança. Aquelas duas vão trazer mais mesmo.
Não fiz objeção. Sabia que não adiantaria de nada. Apenas pedi:
-- Então faça isso que eu vou indo na frente.
Deixei-a e fui me afastando. Pouco depois, olhei para trás e Luciana vinha ao meu encalço, embora andando lentamente. “Ela tá armando alguma. Num é boba. Quando enfia uma coisa na cabeça, vai até conseguir. Até sei o que ela quer. Fazer por trás. Que nem o Fabrício fez comigo. De manhã, quando a gente estava pescando, ela queria. Quer experimentar. Saber como é. Fabrício gostava. Tava sempre querendo fazer. Três naquele dia. De manhã, acordei com ele puxando o meu shorts. Eu disse que num queria, mas foi subindo pra cima de mim. O pinto dele já tava duro. Eu vi. A cabeça pra fora. Não pude fazer nada. Ele era bem mas forte. De tarde também. Esperou a dona... Como era mesmo o nome dela? Merda! Num consigo me lembrar. Era tão boazinha. Atenciosa comigo. Ela saiu. No mercado ela disse que ia. A gente tava na sala, vendo TV. Ele chegou perto e chamou pra gente meter de novo. Abaixou o short e mostrou o pinto duro, dizendo que queria pôr na minha bunda. Eu disse que num tava com vontade. Mas ele me segurou e disse que ia contar pra mãe dele quando ela voltasse de São Paulo que eu ficava chamando ele pra meter com ele, que eu ficava abaixando o shorts e oferecendo a bunda pra ele e que ficava pegando no pinto dele. Fiquei com medo. Ela não ia acreditar em mim. Ia acreditar nele. Ia pensar que eu era bicha. Filho dela. Ainda ia contar pros meus pais. Fiquei com muito medo mesmo. Fui. Ficou pelado. O pinto dele. Duro. Ele fez eu tirar a minha roupa toda. Deitou em cima de mim e fez de novo. Gemendo no meu ouvido. De noite, de novo. Falei que num queria porque minha bunda tava dolorida. E tava mesmo! Aí ele me fez chupar o pinto dele. Só fiz um pouquinho. Gosto esquisito. Meio salgado. Falei que num queria mais. Aí me disse que se eu não continuasse ia comer o meu cu. E ia machucar ele. Falava bem assim. Preferi deixar. Ele demorou mais do que das outras vezes. Foi horrível. Nunca vou esquecer. Ela tá chegando. Parece que tá sorrindo. Ele mandou eu ficar de quatro. Eu não sabia. Me mostrou como era. Ficava pondo com força, como se estivesse com raiva. Tudo. Ficou doendo. Dormi chorando. Nem me levantei pra me limpar. No outro dia, tinha manha de sangue na cueca. Tava toda suja. Tive que lavar ela no banheiro pra ninguém ver. Ela tá sorrindo sim. Vai me chamar pra fazer com ela. Sei quando ela quer...”, pensei.

domingo, 2 de agosto de 2015

BATALHA PERDIDA

Travo uma luta incansável contra o tempo
Embora seja uma batalha perdida
A necessidade de conhecimento
É a fome que não pode ser saciada



Por que tanto saber? E tanto querer
Respostas para tantas indagações?
Não te parece ser medo de morrer
Essa grande ânsia de informações?



Isso não é fruto do aniquilamento
Inevitável a tudo que tem vida
É mais o desejo de continuar vivendo
Quando o corpo fez-se massa dissolvida



Morrerei nessa batalha por viver
A posteridade. São aspirações
De todo poeta no eterno dissolver
Entre tristes versos e belas canções

sábado, 1 de agosto de 2015

O VALOR DA VIDA HOJE

Há uma crise de valores que vem afetando praticamente toda a humanidade, sem distinção de credo, raça, modelo econômico ou orientação religiosa. Todos parecem sofrer do mesmo problema, embora algumas sociedades sofram mais do que outras. A causa disso eu não sei exatamente. Talvez seja uma conjunção de fatores, uma vez que o mesmo problema afeta os mais distintos povos. Quanto a essa crise, ela parece bem clara: a vida, tão valorizada nos últimos séculos, já não significa mais como há algumas décadas. É como se em duas ou três décadas ela perdesse um valor conquistado durante séculos. Usando um jargão financeiro, é como se fosse a moeda de um país que, ao passar por uma grave crise econômica, perde completamente o valor. Parece que é mais ou menos isso que está acontecendo. As sucessivas crises econômicas pelas quais a maioria dos países enfrentou e vem enfrentando desde os anos 90, devido a globalização, afetou não só o valor dos bens materiais, como o valor da própria vida, a qual não deveria jamais ser equiparada a qualquer outro bem. A vida do outro parece valer muito pouco, isso quando vale alguma coisa. Durante milhares de anos, até o advento da modernidade, matava-se por qualquer coisa. E sobreviver, principalmente os que não tinham nada ou muito pouco, era uma questão de sorte. Era uma verdadeira luta pela sobrevivência, digna da teoria darwiniana. Hoje tem-se a impressão da volta desse terrível período de nossa história. E uma das causas desse desprezo pela viada é fruto da perda de força e significado da religião. Como o próprio Nietzsche afirmou há quase 150 anos, “Deus está Morto. Nós o matamos”. O cristianismo não rege mais o dia a dia dos cristãos, assim como o Judaísmo a dos judeus e o islamismo a dos muçulmanos embora a presença dessa última seja muito maior na vida dos muçulmanos do que o cristianismo e o judaísmo na dos cristãos e judeus. E mesmo aqueles que ainda acreditam num deus, na vida após a morte, lidam com a religião de forma muito diferente daquela que os nossos antepassados lidaram durante mais de 1.000 anos. E o que sobrou dessas crenças, tanto no cristianismo como nas demais religiões monoteístas, foi o que de pior havia nelas: o fundamentalismo. Aliás, este não é nada mais nada menos que fruto da perda de poder das mesmas. Ou seja: uma luta desesperada pela sobrevivência. Assim, cada uma trata a outra e as demais crenças como inimiga, como um mal que deve ser eliminado, usando os mais desprezíveis artifícios. E para isso deve-se antes de mais nada eliminar o indivíduo, alguém que não é como nós e por isso sua vida não tem valor. Essa é uma das principais causas do desprezo pela vida atualmente. Mas não é só isso. O materialismo sem limites, o consumismo como fonte de felicidade, uma felicidade inalcançável diga-se de passagem, também é responsável por isso. O homem hoje transformou o dinheiro em poder, o qual deve ser buscado a qualquer custo. E se para isso tiver de tirar o seu semelhante do caminho, não pensará duas vezes. Isso aliás é uma das principais causas no aumento dos latrocínios, das mortes por encomenda, da corrupção e dos crimes financeiros. Em nome do dinheiro tudo vale. Esse capitalismo selvagem que se pratica desde o fim dos anos 80 é fruto do fim da ameaça comunista. Desde o fracasso do socialismo, um regime que pelos seus próprios erros cometeu atrocidades mas que por outro lado segurava o cabresto do capitalismo, contendo o seu lado selvagem e desumano, o mundo vem se tornando escravo do capital, o qual surge como o novo deus, cultuado a cada dia mais por mais gente. E embora “o valor da vida não possa ser medido” como afirmou Nietzsche, hoje ela é negociada por qualquer bagatela. Enfim. O que tem valor hoje é o capital e o que ele pode comprar, o resto é supérfluo, inclusive a vida.