quarta-feira, 15 de agosto de 2012

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 29

Chegamos à cabana poucos minutos depois. Ana Paula e Marcela conversavam e sorriam. Tive a impressão de que falavam de algo engraçado. Haviam limpado o peixe e ele ainda estava espetado na lança.
Quando nos viram, tornaram-se sérias e nos encararam. Então Marcela perguntou:
-- O que foi?
-- Nada – respondeu Luciana de forma carrancuda, dirigindo-se a um canto e sentando-se.
-- O que deu nela? -- tornou a perguntar Marcela, agora se dirigindo a mim.
-- Sei lá! -- exclamei, sacudindo os ombros, porém com as faces afogueadas. E para mudar de assunto, perguntei:
-- E o peixe?
-- Já limpamos – afirmou Ana Paula. -- Agora só falta assar.
-- Vou enfiar ele na fogueira – expliquei. Apanhei a vara com o peixe e com muito cuidado a coloquei no fogo para assar.
Aguardei.
Enquanto isso, Marcela e Ana Paula saíram e foram em direção ao mar, deixando-me as sós com Luciana.
-- Me desculpe – falei, aproximando-me dela. -- É que fiquei com muito medo daquele barulho. Talvez seja só cisma minha, mas acho que tem alguma coisa nessa ilha de olho na gente.
-- Tudo bem, deixa pra lá – respondeu um tanto contrafeita.
-- Não quero assustar ninguém, mas estou começando a ficar com medo.
Talvez não devesse ter confessado meus temores, pois isso expunha minhas fraquezas e de certa forma me deixava ainda mais vulnerável àquela jovem, aos seus caprichos que dia após dia afloravam de forma mais intensa, como se ela tive consciência do seu poder e desejasse exercê-lo. Talvez ela não se apercebesse disso, mas cedo ou mais tarde daria conta e então já me teria em suas mãos. E justamente a única pessoa capaz de fazer-lhe frente.
-- Mas foi só um barulho – exclamou ela. -- Vai ver que foi um galho caindo.
-- Não foi só isso – asseverei. -- Sinto que tem alguma coisa. Pode até ser algum animal, mas que tem ah isso tem. Isso eu posso te garantir.
-- Então porque a gente não vai dar uma olhada? -- sugeriu.
“E agora? O que faço? Se disser não ela vai saber que estou morrendo de medo e vai me chamar de fracote, de medroso. Vai contar para as meninas e aí elas vão ficar rindo da minha cara. Não, isso não! Não posso deixar que a Marcela também pense isso de mim”, conclui.
-- Agora?
-- E por que não?
Senti o coração palpitar mais forte, como se o medo quisesse me dominar. No entanto, não deixei transparecer.
-- Deixe as meninas voltarem. Ai a gente come o peixe e depois a gente vai.
Luciana assentiu. Disse inclusive estar um pouco faminta. Então aproveitei para dar uma olhada no peixe a fim de ver se estava assado. Não estava no ponto, embora exalasse um cheiro agradável. Aproveitei para movê-lo através da vara a fim de que esta não queimasse.
Ana Paula e Marcela não tardaram. Continuavam alegres e falavam e sorriam. Nada fazia lembrar aquele clima de tristeza de mais cedo, quando a saudade arrancara lágrimas do coração da caçula.
-- Chegaram na hora. O peixe está assado – declarei retirando-o do fogo. -- Olha só que delícia!
Sentamos em círculo e por alguns momentos esquecemos as diferenças. Dir-se-ia ter surgido um clima de harmonia devido aquele alimento, como se a ceia tivesse um quê de sagrado. E embora o peixe não fosse assim tão grande, foi o bastante para nos satisfazer. Não houve um que reclamasse do sabor, da falta de temperos e de sal. Até porque, melhor um peixe sem sal do que comer frutas o tempo todo.
-- Por que você não tenta pegar outro, primo? -- perguntou Ana Paula.
-- Vou tentar sim, mas não agora. Agora, eu vou com a Luciana dar uma olha por aí. Escutei um barulho esquisito quando fui atrás dela. Talvez seja só um animal ou coisa parecida. Mas é melhor verificar.
Ana Paula e Marcela me fitaram com olhar desconfiado, entretanto não fizeram comentários. Levantaram em seguida e tornaram a sair da cabana em ao mar, provavelmente para lavar as mãos e tirar aquele cheiro de peixe.
Luciana levantou-se e, como se me chamasse para um passeio, disse:
-- Vamos.
Titubeei por alguns instantes. Cheguei mesmo a torcer para que ela desistisse daquela maluquice.
-- É melhor levar esta vara – falei, pegando a lança que usara para pescar.
-- O que foi? Ta com medo?
-- Não – respondi. – É só por precaução.
Saímos.
Embora não quisesse admitir, estava sim morrendo de medo. Uma sensação me dizia que poderíamos encontrar algo capaz de tornar nossa estada naquela ilha um inferno, a ponto de cometermos os mais terríveis disparates. “Meu deus! Espero que não seja nada demais. E se for algum monstro ou alguma coisa do outro mundo? E se ele quiser pegar a gente para comer? Não, meu Deus, não deixa isso acontecer com a gente! Não quero ser devorado. Quero voltar para casa, quero ver meus pais, meus irmãos. Estou morrendo de saudades deles”, pensei no instante em que saía da cabana. Passos adiante, eu tornei a pensar: “Por que ela insiste tanto em ir atrás? Não seria melhor a gente não saber o que é? Se for alguma coisa, só vai deixar a gente mais apavorada ainda... Mas e se não for nada? Eu vou ter ficado com medo à-toa. Não, nada não pode ser. Eu não estou maluco. Eu sei que ouvi alguma coisa”. Talvez tudo não passasse de efeito do medo, o qual nos leva ao ápice da imaginação e as mais absurdas deduções.

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