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O que foi? -- perguntou Marcela, levantando-se, ao nos ver entrar.
Apesar da escuridão, a cabana estava iluminada. Aliás, a luz da
fogueira era tão intensa, que se via em nossas faces, talvez mais na
minha do que na de Luciana, que algo acontecera.
--
Nada. Por quê? -- dissimulou Luciana.
--
Vocês estão ai, com uma cara estranha – disse ela.
Ana
Paula, deitada do outro lado, parecia dormir um sono profundo.
--
Rasguei a sunga – asseverei envergonhado. Afinal não adiantava
dissimular, pois mais cedo ou mais tarde todas acabariam percebendo.
--
Eu desequilibrei – adiantou-se Luciana, talvez me achando incapaz
de inventar uma desculpa convincente. -- E fui tentar me agarrar nele
para não estatelar no chão, minha mão escorregou e acabei puxando
a sunga dele – acrescentou.
Ou
para não criar problemas ou por pura inocência, Marcela não
demonstrou desconfiança. Preocupou-se por outro lado em saber se
Luciana não tinha se machucado.
--
Está tudo bem. Só me sujei de areia. Mas entrei na água e o Sílvio
me ajudou a me lavar – explicou. Em seguida, ajudei-a a dar mais
três passos e sentar-se no chão.
Enquanto
auxiliava-a a se sentar, olhei para Marcela. Surpreendi-a com os
olhos no rasgo, o qual se abriu ao curvar o dorso para ajudar
Luciana. Envergonhada por ter sido surpreendida, disfarçou, apanhou
um graveto e cutucou a fogueira. “Ela tá olhando. O que faço? Pôr
a mão? Tapar ele? Vou virar”, pensei.
Nisso,
Ana Paula acordou.
--
Pô! Não dá para vocês falar mais baixo? Tô querendo dormir –
disse Ana Paula, fazendo que ia se levantar. No entanto, apenas virou
de frente para nós e se encolheu numa posição fetal, voltando a
dormir.
Apenas
silenciamos por algum tempo.
--
É você quem vai tomar conta da fogueira primeiro? -- sussurrei para
Marcela, procurando manter o rasgo longe do ângulo de visão dela.
--
É – respondeu-me ela baixinho.
--
Então vou dormir um pouco. Quando tiver na minha hora, você me
acorda.
Luciana
havia se deitado na outra extremidade, deixando-me como única opção
o meio entre ela e minha prima. Foi ali que fui repousar.
Não
adormeci de imediato. E até que o sono chegasse, fui tomado por
devaneios com Marcela. Aliás, não poderia ser diferente. Estando
apaixonado, o objeto de nossa paixão se torna inevitavelmente a
fonte de nossos pensamentos.
Embora
o longo tempo transcorrido entre os fatos narrados e o momento que
faço esta narrativa possa ter apagado alguma coisa, uma parte
significante daqueles devaneios ainda me permanecem vivos, como se de
fato o tempo não tivesse passado. Ainda me lembro de imaginar eu e
Marcela em algum ponto afastado daquela ilha, sobre a faixa de areia.
Estamos frente a frente e de mãos dadas. Súbito, tomo-a nos braços
e nos beijamos demoradamente. Isso me excita. E então minhas mãos
percorrem-lhe o dorso quase nu. De repente, escorrego-lhe uma delas
até o seio e o acaricio. Marcela cola ainda mais seu corpo ao meu.
Pouco depois porém, ela para de me beijar e dar um passo para trás,
empurrando minha mão. No entanto, não diz nada, nem uma palavra de
reprovação. Nossos olhos permanecem fixos uns nos outros. Deixo
escapar um sorriso. Tímida, ela abaixa os olhos. Então seus olhos
esbugalham-se quando me fitam o falo, o qual escapara pela abertura,
provocada pelo rasgo que Luciana fizera. Fico envergonhado e penso
recolocá-lo para dentro. Mas antes que fizesse, Marcela pega-o
delicadamente e o observa. A curiosidade a leva a acariciá-lo, o que
me provoca intenso prazer. Instintivamente, levo-lhe a mão ao meio
das pernas e também a acaricio com os dedos, talvez como um sinal de
retribuição. Ela solta um suspiro, ergue a cabeça e nossos lábios
se encontram novamente. Pego em sua mão (a que ainda mantém em meu
falo) e a tiro dali. Em seguida, tento introduzi-lo no meio das
pernas dela. Ao fazê-lo, quase perco o equilíbrio, o que nos faz
interromper o beijo. Um tanto tímido, mas queimando-me nas chamas da
volúpia, deixo escapar um sorriso contido. Ela o retribui, o que me
instiga a seguir em frente. Agarro-a pela cintura e tento pô-lo
novamente no meio das pernas dela. Marcela por sua vez facilita as
coisas e as afasta. Mas, ao senti-lo ali, sobre a vulva, separando-os
apenas as duas tiras que une os pedaços de pano e as quais
anteriormente eram usados para cobrir-lhe os seios, experimenta o
prazer. Abraça-me fortemente e aguarda que eu tome a iniciativa.
Movo os quadris para frente e para trás com certa dificuldade, já
que estamos de pé. Ela percebe isso e se solta, dá um passo para
trás e finalmente o silêncio é interrompido pela sua voz meiga e
apaixonada: “Vem cá! Vamos deitar”. Ela senta e em seguida se
deita sobre a areia. Desata o nó e retira aquela peça usada como
tapa-sexo. Retiro a minha sunga e me deito sobre ela. Abraço-a e
penetro-a quase ao mesmo em que nossos lábios se encontram, como se
o ato sexual não compreendesse só a penetração do falo mas também
o acariciar das línguas. Lembro-me de sentir um prazer infinitamente
maior do que aquele que senti ao penetrar Luciana. Lembro-me também
de vê-la suspirar pouco depois, com os lábios rente ao meu ouvido:
“Te amo! Te amo! Te amo...” Aliás, estas são as últimas
lembranças daqueles devaneios. Talvez o que veio a seguir tenha se
perdido com o tempo, embora eu ache improvável. Acredito todavia que
a explicação é de que eu tenha adormecido, uma vez que o sono
costuma vir justamente na melhor parte de nossas fantasias,
levando-as para as partes mais inacessíveis de nossas memórias.
Na
lembrança seguinte, ouço a voz dela, acordando-me para assumir o
seu lugar. Diz que já deve ter passado mais de duas horas, desde o
momento em que deitei.
--
Já não estou aguentando mais. Meus olhos não conseguem ficar
abertos – confessou ela em seguida.
Levantei-me
com dificuldade e ainda sonolento e disse-lhe para se deitar no meu
lugar.
--
Vou ficar um muncado
e depois acordo a Ana Paula – acrescentei, pronunciando erradamente
a palavra “bocado”.
Observei-a
a se deitar e as lembranças de meus devaneios que tivera ao ocupar
aquele lugar antes dela me voltam à memória, o que me faz pensar:
“Será que ela vai pensar em mim como eu pensei nela? Talvez. Ela
pode pensar na família dela, nas pessoas que está procurando a
gente, numa forma de sair daqui, no pé da Luciana. Em tanta coisa.
Mas ela pode pensar em mim. Na gente. Nem que seja um pouquinho...”
Quando
a observei novamente, ela estava imóvel. Então deduzi que
adormecera.
Voltei
a pensar em Marcela enquanto ficava sentado diante da fogueira ou de
cócoras com uma vareta na mão cutucando-a. Todavia, diferentemente
dos devaneios que tive antes de adormecer, estes não estavam envolto
num manto de volúpia. Não que não tenha existido um quê de
sensualidade, pois de fato houve; mas apenas num momento ou noutro.
Meus pensamentos, a bem da verdade, focavam-se em encontrar uma
solução se não definitiva, pelo menos temporária, capaz de me
tirar das garras de Luciana e assim me dar mais liberdade de ficar
com Marcela sem medo da outra.
Dentre
todas as possibilidades, a mais terrível e a qual provavelmente eu
jamais teria coragem de pôr em prática, implicava em cometer um dos
atos mais revoltantes e condenáveis pela humanidade: o assassinato.
Essa possibilidade inclusive me ocorreu depois de muito ponderar e
chegar a conclusão de que, se de fato Luciana pusesse a vida de
Marcela ou de minha prima em perigo eu não teria outra saída a não
ser fazer uma encolha entre ela e as outras duas. O amigo leitor não
teria dúvida de quem eu escolheria para sacrificar.
Antes
porém de pensar nessa possibilidade, relembrei todas as ameaças que
Luciana me fizera nos últimos dias. E então cheguei a conclusão de
que estas se tornaram mais violentas e mais reais nos últimos dias.
E sabia perfeitamente, embora ainda fosse um garoto, que estas não
só não parariam como se aproximariam cada vez mais do
insustentável, daquele momento onde a convivência entre Luciana,
Ana Paula e Marcela seria impossível.
Não
era a primeira vez que eu pensava em assassinar Luciana. Contudo,
nunca pressenti o aproximar desse momento quanto naquela noite.
Haveria de adiar esse terrível momento até que não houvesse mais
saída, mas teria de ser feito. Ou Luciana morria ou ela mataria
Marcela ou minha prima.
E
pensando ter de executar essa terrível tarefa, cheguei a traçar
alguns planos. Sabia que não poderia falhar, pois caso acontecesse
eu próprio estaria em apuros. Desta feita, cheguei a conclusão de
que teria de executá-lo longe das meninas, pois se fizesse diante
delas, provavelmente tentariam me impedir, mesmo pondo a própria
vida em risco. E mesmo que não impedissem, tal cena seria traumático
por demais para minha prima. Éramos todos novos para presenciar uma
cena dessas, minha prima, por ainda ser uma criança, não deveria
sob hipótese alguma presenciá-la. Quanto a isso eu não tinha a
menor dúvida.
Ocorreu-me
que o melhor momento para fazê-lo era quando Luciana estivesse
dormindo, o que seria executado na presença das duas. Se não fossem
assim, teria de me afastar com Luciana da Cabana. Eu teria de me
aproveitar dum momento de fraqueza dela, quando estivesse nos meus
braços para matá-la, como já havia pensado dois dias antes. Foi
então que tive uma nova ideia: “Poderia afogar ela? Quando ela
desse um mergulho ou se abaixasse para se molhar. Era só agarrar no
pescoço dela e segurar ela embaixo d'água. Ela ia se debater, mas
ia se afogar.”
Naquele
momento não pensei na possibilidade dela se escapar. Pelo menos não
me recordo de ter pensado. Todavia, quando, dias depois, ponderei
acerca dessa possibilidade com mais seriedade, isso me ocorreu.
Gostaria
de ter pensando nessas alternativas com mais seriedade, já que
dispunha de todo o tempo do mundo. Contudo, nossos pensamentos,
diante de um fato novo e mais urgente, absorve esses fatos e muda
completamente do rumo e de foco, dando lugar a outros pensamentos sem
a menor relação com o anterior.
E
a causa dessa mudança foi um ruído, o qual eu não sabia de onde
via, mas que me fez gelar a espinha, o coração disparar e a
sensação de medo invadir-me a alma de tal forma que por pouco não
corri para junto das meninas e as acordei.
Durante um bom tempo, talvez uma meia hora, não fui capaz de me
mover. Temia que um único movimento poderia chamar a atenção
daquele que produzira aquele ruído. Imaginando que um grande monstro
ou mesmo um animal feroz estivesse a espreita, elevei o pensamento
para que, naquele momento, nenhuma das meninas se mexesse ou
produzisse algum som.
Embora
Ana Paula e Marcela tenham entrado naquela mata mais de uma vez e
Luciana também embrenhara comigo a fim de me mostrar que naquela
ilha não havia mais ninguém além de nós, ainda sim eu continuava
a acreditar que algo nos observava. Talvez aquele ruído fosse um
sinal de Deus por causa de meus pensamentos. Não era a primeira vez
a pensar nessa possibilidade. Apesar de levar isso a sério, a
existência de algo naquela ilha, procurando se ocultar da gente,
pesava mais.
Acho
que teria ficado imóvel a noite toda se Luciana não houvesse
acordado e, vendo-me com aquela cara de assustado, indagado:
--
O que aconteceu?
--
Ouvi um barulho muito esquisito lá fora. Parecia o ruído de um
bicho grande se aproximando – expliquei com a voz titubeante.
--
Mas já vem você de novo com essa história! Será que você é tão
idiota assim para entender que não tem nada nessa ilha? Quantas
vezes já não te disse isso? Enfia uma coisa nessa cabecinha: não
tem mais ninguém além da gente aqui! -- disse ela, alterando a voz.
--
Eu sei que tem alguma coisa lá fora. Você ainda vai ver que eu
tenho razão.
--
Me ajuda a levantar – pediu – que eu vou tomar conta dessa merda
de fogueira para você dormir. Não estou com mais sono mesmo.
Ajudei-a
e depois a sentar-se diante da fogueira. Só então deitei onde ela
estivera deitada momentos antes e, minutos depois, cai no sono.