--
Estou gostando de ver – disse Luciana quando, não muito após
chegar àquele ponto aonde estava acostumado pescar, peguei o
primeiro peixe. -- Você até que não é tão inútil assim –
deixou escapar.
--
Eu não sou um inútil! -- exclamei, com a raiva dominando-me. E
súbito, ocorreu-me de pegar aquela lança e trespassá-la como
fizera com o peixe. Cheguei inclusive a olhá-la enquanto imaginava:
“Podia enfiar ela na barriga dela. Ia vazar nas costas. Ia demorar a
morrer. Ficar estrebuchando ali. Horrível! Isso ia ser. Não. Assim
não. No pescoço dela. Ia matar ela mais rápido...”
--
O que foi que você está me olhando assim com essa cara de mau? --
interrompeu-me ela os pensamentos.
--
Nada, não. -- desviei o olhar envergonhado.
--
Vai! Anda! Pega outro!
Aguardei.
Logo apareceu um maior do que eu havia pescado. Observei e aguardei
que ele parasse por alguns instantes. Enquanto isso, mirei-o
lentamente, sem fazer o menor barulho. Luciana viu que eu me
preparava e manteve-se em silêncio, afim de não espantá-lo e nem
me atrapalhar a concentração. Súbito, lancei a vara. A ponta
chegou a acertá-lo de raspão, mas não o fisgou. Desapareceu da
minha vista.
--
Errei o desgraçado! -- comentei enquanto me abaixava para apanhar a
lança. -- Preciso melhor a pontaria. Ainda erro de vez em quando.
--
Por que você não faz um alvo e treina na cabana? -- sugeriu ela.
--
É mesmo! Não tinha pensado nisso!
--
Não se preocupe! Sua mulher está aqui para pensar por você –
disse ela com entusiasmo, entonando a palavra “mulher” como se
fosse a palavra mais especial que ela conhecia.
--
Mulher? Eu não sou teu marido! A gente não é casado. E num quero
ser.
Ela
me olhou com aquele olhar feroz, o qual me atirava todas as vezes em
que eu a contrariava. Aliás, nada a irritava mais do que isso.
--
Não precisa casar para ser marido e mulher, seu idiota! Se vivem
juntos já são. E você é o meu marido. A gente mora juntos e até
já transamos. Então o que somos então?
--
Sei lá! -- retruquei. -- Mas seu marido eu não sou. E nem quero
ser.
--
E quem disse que você tem escolha, seu idiota? Eu quero que você
seja o meu marido e pronto. E um marido fiel! Por isso vou te lembrar
mais uma vez: se você me trair com uma daquelas duas vadias, eu te
mato e depois ela – ameaçou-me mais uma vez. Aliás, Luciana não
perdia uma oportunidade de manter-me sob o terror. Ela parecia estar
certa de que assim manteria completo controle sobre mim. E de fato
ela estava certa. Eu temia não por mim mesmo, mas por Marcela e por
minha prima. Sabia do que Luciana era capaz.
Silenciei.
Não havia outra coisa a fazer.
Momentos
depois consegui fisgar outro peixe. Isso nos descontraiu e trouxe de
volta a amistosidade entre a gente. Tanto que perguntei-a se não
queria retornar. Ela respondeu-me que não, que era eu pegar outro
peixe e ai a gente retornaria.
--
Então, vou pegar um para você – falei sem pensar. No entanto, só
queria agradá-la e mantê-la feliz a fim de não se zangar com
Marcela e Luciana.
--
Quero ver – disse ela alegremente.
Enquanto
esperava surgir uma presa, pensei nas duas. E uma sensação de medo,
de que algo pudesse acontecer-lhes naquela mata foi me consumindo.
Cheguei inclusive a ficar tão agoniado, querendo voltar depressa
para a cabana a fim de saber se estava tudo bem com elas que pensei
em desistir de pescar mais um peixe. Todavia, se o fizesse, acabaria
irritando Luciana. E foi isso que me impediu de desistir.
Levei
o dedo aos lábios, fazendo sinal para que ela não fizesse barulho.
Luciana falava de seus últimos dias na escolha e do que fazia com os
meninos na escola. Falava com naturalidade, vangloriando de seus
feitos, como uma puta relembrando os grandes momentos do passado.
Chegou inclusive a contar que, durante uma aula, saíra para ir ao
banheiro e, ao deparar com um garoto de outra classe com o qual
andava flertando, arrastara-o para trás da biblioteca e ali levantou
a blusa, deixou-o chupar-lhe os seios enquanto ela acariciava-lhe o
“pinto” até ele quase gozar. Perguntei-a o que ela fez e ela me
respondeu rindo que “quando ele começou a gemer e a se contorcer
todo, larguei o pinto dele e saí correndo. Sabia que ia esguichar
aquela coisa e melecar minha mão.” Depois falou de Carlinhos. “eu
já tinha deixado ele pegar e chupar os meus peitos e abaixado a
calcinha para ele bater uma punheta na minha frente. Ele também já
tinha deixado eu pegar no pinto dele e brincar com ele. Mas eu queria
mais. Queria sentir o pinto dele em mim. Aí um dia que quase não
tinha ninguém na escola, a gente se trancou no banheiro e eu deixei
ele por o pinto dele no meio das minhas pernas e ficar metendo em
mim. Só não deixei ele enfiar. Pena que ele gozou logo e melecou as
minhas pernas todas com a porra dele.”
O
que me deixava surpreso não era o fato dela ter feito essas coisas.
Isso era bem da cara dela. Mas a naturalidade com que me contava. Não
demostrava o menor sinal de vergonha ou arrependimento.
--
Pimba! -- falei quando vi o peixe estrebuchar na lança.
--
E esse é grande! -- exclamou ela, quando levantei a lança e
aproximei-lhe o peixe fisgado.
--
Bom, por hoje chega! -- falei. -- Vamos voltar. Precisamos pôr mais
lenha na fogueira se elas ainda não chegaram. -- acrescentei,
lembrando que deveria dizer a palavra “não” corretamente, pelo
menos na presença dela.
Luciana
espetou os peixes pescados anteriormente na vara e retornamos para a
cabana.
Quando
chegamos, não havia ninguém. Isso me preocupou. Tanto que não pude
deixar de comentar:
--
Elas estão demorando... Será que aconteceu alguma coisa?
--
Claro que não! Elas só não voltaram ainda. Vai ver que estão lá
em cima curtindo a paisagem. Tem uma bela vista lá de cima. Quando a
gente foi lá, eu queria ficar mais. Mas você, seu medroso, estava
quase borrando nas calças que preferi voltar para não deixar você
passar mais vexame. Elas pelo menos vão poder ficar lá em cima o
tem que quiserem. E depois que elas voltarem e você ver quer não
tem nada, que essa história de bicho é imaginação da sua cabeça,
a gente vai voltar lá em cima e apreciar aquela vista maravilhosa.
--
Você não quer acreditar, mas eu sei que tem alguma coisa naquela
mata – falei, jogando mais alguns gravetos no fogo.
Talvez
eu estivesse errado. Talvez eu realmente estivesse imaginando tudo
aquilo, mas quando acreditamos em algo, não há quem consiga nos
demover. As religiões estão aí para provar. Certo ou errado, eu só
sossegaria quando Marcela e Ana Paula estivessem de volta, sãs e
salvas.
Luciana
sentou numa das camas e chamou:
--
Vem cá! Deita um pouco aqui comigo.
--
Mas as meninas podem chegar a qualquer momento – falei, sem desviar
os olhos da fogueira.
--
Elas ainda vão demorar. Aposto! E também o que tem elas verem a
gente juntos. Você é meu! O meu homenzinho. Ou melhor: o
meu maridinho. A partir de
agora vou te chamar de meu
maridinho!
Vem cá, vem! Vem dar um pouco de carinho a sua
esposinha.
--
Eu já disse: num sou seu marido! -- exclamei, irritado!
--
Não importa que você não queria ser. Eu disse que é, então vai
ser e pronto. E é bom que aquelas duas vejam a gente juntos. Assim
aquela vadia desiste de você de uma vez por todas. Porque dela, você
não vai ser nunca. Isso eu posso te garantir. E anda! Vem logo! --
ordenou, estendendo o braço e me puxando, o que fez com que eu me
desequilibrasse e caísse para trás, sobre o monte de gravetos.
Por
pouco não caí em cima da fogueira.
--
Já disse que não quero! -- repeti.
Súbito,
ele apanhou um graveto da fogueira, cuja ponta estava em brasa, e
ameaçou-me:
--
Se você não vir, seu
viadinho,
eu juro que apago a ponta dele em você. Não sei se você já se
queimou alguma vez, mas posso te garantir que não há dor mais
terrível. Ainda mais ai nos teus ovos. Aposto como você vai se
mijar e se cagar de tanta dor. E aí? Vai me obedecer ou não? --
perguntou ela por fim, agitando o graveto em minha direção, como se
fosse uma espada.
Devido
aos movimentos, a brasa pareceu mais viva, o que me fez sentir um
medo terrível. Eu sabia que ela era capaz de cumprir com suas
ameaças. De forma que, sem alternativa, acabei cedendo.
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