quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A MENINA DO ÔNIBUS - Capítulo 2/1

Ao iniciar este segundo capítulo, ainda continuo na dúvida – dúvida essa a me ocupar há dias e a qual me fez interromper a narrativa. Devo ou não acrescentar as partes referentes ao diário? Ana Carla o escreveu provavelmente para si só, como um segredo que a gente conta para uma pessoa e pede para esta não o revelar para quem quer que seja; aliás, nem a mim deixou escapar algo sobre esse diário, tanto que eu jamais desconfiei de tais apontamentos. Sendo assim não estaria eu agindo de má fé ao torná-lo público? Não estaria eu me aproveitando, já que este veio parar em minhas mãos, e querendo me justificar com suas palavras, uma vez que estas me são por demais favoráveis?
Não, não, amigo leitor! Quanto a isso pode ficar despreocupado. Se esta fosse minha intenção, ser-me-ia bem mais fácil dar a versão dos fatos de forma a favorecer-me, embora por prudência nunca deveria a gente falar de si mesmo, pois esse é um tema em que seguramente a nossa visão e a alheia não coincidem nunca. No entanto, tal coisa jamais me passou pela cabeça. Quero tão somente narrar os fatos da forma que aconteceram, sem medo do julgamento que você, amigo leitor, certamente fará. Aliás, este é outro motivo a pesar na minha decisão: acrescentá-lo permitiria mostrar-vos a versão dela dos fatos, a forma como encarava os desafios e as descobertas.
Embora esta dúvida me tenha ocupado por alguns dias, outra porém não me sai da cabeça desde o dia em que recebi o diário. Em que momento ela realmente tomou a decisão de escrevê-lo?
Eu sei que jamais vou sabê-lo, pois só ela poderia me esclarecer esse desatino, essas suposições e dar uma resposta definitiva. Aliás essa incerteza vou carregá-la comigo para o túmulo, para a eternidade; não só eu como você também, amigo leitor. Lamento informá-lo que nas páginas que se seguem essa pergunta ficará sem resposta, pois através do diário não há a menor indicação disso. Nem mesmo o dia em que ela o iniciou pode ser usada como base para se chegar ao momento exato, uma vez que nada indique que o tenha iniciado nessa mesma data. Se o fez então é de se imaginar que dispunha de um caderno em casa ou então o comprara naquele mesmo dia. É de se admitir que a primeira hipótese não me parece plausível. Pois é sabido que normalmente não se compra um caderno desnecessariamente e depois o guarda por muito tempo, e principalmente em se tratando uma jovem. Mesmo não precisando dele, arrumará o mais rápido possível algo para preenchê-lo pelo simples prazer de usá-lo. E isso me parece ainda mais estranho por ser final do ano letivo. Ana Carla não o comprou para usar na escola, para substituir o que perdera. Ela não o compraria quando estava para entrar de férias, portanto só poderia ser por outra finalidade. Talvez ela o tenha comprado alguns dias antes, mas para quê? E por que não o usou?
Mas supondo que o comprara naquele dia. Talvez, ao nos despedirmos naquele final de tarde, tenha passado numa papelaria ou bazar perto de casa e o adquirido para registrar suas memórias, embora um diário teria mais sentido nesse caso. Bem, supondo que assim ocorrera, o leitor talvez se pergunte por que ela o iniciou se até então não havia nenhuma indicação de um começo de relacionamento? É verdade. Também eu não consigo entender. Quando se lê suas confissões daquela noite, fica evidente que até então a possibilidade de algo entre mim e ela parecia um completo absurdo. Aliás, quanto a isso também eu tinha consciência. E esperava conquistá-la aos poucos, de forma dificultosa, como numa partida de xadrez, da mesma forma que fiz com a Isoldinha. Todavia, lendo suas anotações nos dias subsequentes, percebo que as coisas eram bem mais fáceis do que eu supunha. No fundo, vi dificuldades demais, como se em nossa diferença de idade houvesse um abismo quase intransponível, o que a bem da verdade acabou não sendo assim.
Se por um lado o porquê de ter iniciado o diário naquele dia jamais será esclarecido, por outro suas palavras ajudam em muito a entender o que ela pensava acerca de seus sentimentos para com um homem da minha idade, a forma como ela encarava suas primeiras experiências sexuais, e principalmente, como esse relacionamento a afetava no seu dia a dia. Não querendo pôr o carro à frente dos bois, amigo leitor, posso adiantar mais uma vez que quanto a isso está bem claro em seu diário. E não só uma mudança de comportamento, como também um rápido amadurecimento. Aliás, foi esse o detalhe determinante para que finalmente tomasse a decisão de inclui-lo nessas minhas memórias. De forma que não vou privá-lo mais, leitor, da curiosidade em saber como ela iniciara o seu diário. Assim, deixemos que suas palavras prossigam.

Quinta-feira, 18 de novembro.
Estou usando a pulseira que ele me deu. Acho que ele está gostando de mim. Pena que é tão velho. Tem o dobro da minha idade. Não é esquisito? Vão até pensar que sou filha dele!
Eu também senti alguma coisa quando ele me abraçou e me beijou no pescoço perto da orelha. Fiquei até um pouco envergonhada, mas acho que ele nem percebeu.
Será que ele quer namorar comigo? Meu Deus! Eu não posso namorar um homem daquela idade. Eh! Ele até que é bonito, não deixa de ser um gato! Tem umas mãos grandes e bonitas. Senti até arrepios quando os dedos dele ficaram passando de leve na minha nuca. Mas ele é muito velho! Não podia ter uns dez anos a menos?
E aquele beijinho? Será que foi um acidente ou ele quis me dar um beijo na boca? Foi estranho. Não quero ficar pensando nele, mas não consigo. Acho melhor eu dormir e esperar para ver o que vai acontecer...


Sexta-feira, 19 de novembro.
Cedo.
Dormi pensando nele ontem. Agora estou com vontade de falar com ele. Mas sou uma boba mesmo! Ficar pensando coisas que não tenho certeza. Não sei se ligo para ele mais tarde ou não... Ah, também não tem nada demais! Não estamos fazendo nada de errado mesmo! Só quero falar com ele, ser gentil por ter me dado essa pulseira e perguntar se está tudo bem. Linda ela! Como ele tem bom gosto!


Noite.
Não resisti e liguei para ele hoje. Só queria falar um “oi!”, mais nada. Mas aí ficamentos conversando um tempão ao telefone, não resisti e convidei ele para sair comigo.
Que idiota fui! Convidar ele para sair? Meu deus! Agora estou com medo. Arrependida. Bem feito! Será que fiz bem? Será que estou fazendo algo errado? Também por que ele foi aparecer assim do nada? Eu não pedi para ele falar comigo no ônibus, não pedi para ele ficar passando aqui na rua, e nem para conversar comigo na frente da minha casa.
E por que eu fui aceitar esta pulseira? Meu Deus! E se minha mãe descobre o que está acontecendo? Estou ferrada, isso sim! Vou ter que esconder ela também.
Aconteceu uma coisa esquisita comigo hoje: quando eu fui tomar banho e estava debaixo do chuveiro pensando nele, senti um calor percorrer o meu corpo. De repente, eu comecei a pensar nele beijando o meu pescoço e suas mãos percorrendo pelo meu corpo. Fiquei sem saber o que fazer. Foi muito estranho! Será que é por causa dele, da forma como ele me toca?
Nem vi que estava demorando no banho. Levei o maior susto quando a minha mãe bateu na porta dizendo para eu sair logo.
Meu Deus! Este homem está mexendo com a minha cabeça... Será que estou gostando dele?


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