domingo, 17 de março de 2013

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 35

O meu destino dir-se-ia traçado. E o que me parecia uma oportunidade única para me fazer notar por Marcela, quando a convidei para o passeio de barco com o meu tio, acabou se revelando um verdadeiro desastre. E naquela ilha vi uma nova oportunidade de conquistá-la, de fazer com que pelo menos ela me desse uma chance; todavia, ao deixar que Luciana se intrometesse entre mim e ela, pus tudo a perder. E mesmo que conseguíssemos sair daquele lugar num curtíssimo espaço de tempo, minhas chances seriam quase nulas. Provavelmente aos seus olhos, Luciana era dona do meu coração, coração esse conquistado rapidamente nos últimos cinco dias. Eis a triste verdade! Aliás, se ainda me restava algo a fazer para reverter essa situação, deveria ser feito o mais breve possível, antes que tudo estivesse perdido para sempre. Mas o que fazer? Luciana exercia um poder sobre mim que eu não sabia como me desvincilhar. Dir-se-ia preso numa rede de pesca, arrastado por um grande navio pesqueiro. Ao longo da noite, não pensei em outra coisa a não ser nas palavras ameaçadoras de Luciana; palavras essas determinadas e claras como a luz do dia. Quase não preguei o olho. E quando chegou a minha vez de tomar conta da fogueira, passei a maior parte do tempo sentado, com os olhos na imensidão do oceano, embora a luz do luar fosse fraca e pouco contribuía para que eu pudesse enxergar alguma coisa ao longe. Jazia perdido em divagações. Aliás, no vazio que meus olhos alcançavam, os pensamentos ganhavam força e profundidade, meditativos para dizer a verdade, pois não havia com o que se distrair. E nessas meditações, nessa profunda compenetração procurei desesperadamente uma saída, feito uma vítima que, ao cair na teia da aranha, vê o predador se aproximar cada vez mais; ou feito aquele que, após um terremoto, é soterrado num porão e vê a necessidade de encontrar a qualquer custo uma passagem para não sucumbir de fome e sede.
Mas onde estava a saída? Pensei em chegar na Luciana e, olhando-a bem no fundo dos olhos, dizer-lhe para me deixar em paz, para não se intrometer nos meus sentimentos, e não tentar impedir-me de buscar a felicidade ao lado de Marcela; contudo, eu sabia não ser capaz. Bastaria uma única palavra mais dura para eu me calar, abaixar a cabeça e deixar que ela voltasse a dar as cartas. E certamente suas ameaças seriam mais amedrontadoras, coroadas de uma perversidade capaz de fazer gelar a espinha do mais insensível dos homens. Embora eu ainda não houvesse compreendido essa perversidade e não fizesse ideia de onde ela era capaz de chegar, sabia tratar-se de uma pessoa sem limites.
Ah, como fiquei angustiado naqueles instantes! Lembro-me inclusive, num momento de profundo desespero, de pensar em aproveitar um segundo de distração quando estivéssemos as sós e esmagar-lhe a cabeça com uma pedra. A imagem da pedra descendo-lhe com toda a força sobre a cabeça e o seu corpo arriando, feito um prédio durante uma implosão, formou-se no meu cérebro. Logo em seguida porém, tais pensamentos me assustaram, provocando-me uma vertigem. O leitor há de se lembrar do temor do inferno, de como praticar atos que contrariam a moral cristã me horrorizavam e me deixavam imponente. Só em pensá-los já me era motivo de culpa, quanto mais praticá-los. Talvez eu jamais tivesse coragem de fazer aquilo ou algo parecido. Na verdade, aquela ilha, de pouco em pouco e de forma quase imperceptível, consumia tudo o que adquirimos de civilizado anteriormente; contudo, em mim, a religiosidade parecia retardar esse processo como que uma capa protetora. Talvez, num momento de profundo desespero, até viesse a cometer um ato bárbaro como esse, uma vez que o ser humano nessas horas não passa de um simples animal, cujo instinto de sobrevivência fala mais alto.
A hora passou rápido. E quando olhei para o céu a fim de certificar se meu tempo de tomar conta da fogueira havia chegado ao fim, vi com espanto que pela posição das estrelas, este parecia ter findado há muito tempo. Levantei e fui chamar a minha prima para assumir o meu lugar enquanto eu deitava no seu. Embora houvesse feito uma série de melhorias na cabana, as “camas” continuavam insuficiente para nos todos; aliás, isso não era problema, uma vez que à noite um de nós sempre permanecia em vigília.
Acordei com a Luciana me cutucando. Tanto Marcela quanto Ana Paula continuavam deitas, com os olhos pregados, provavelmente dormindo. Aliás, esta última parecia roncar baixinho, indiferente aos raios de luz a atingir-lhe o rostinho.
-- O que foi? -- perguntei assustado, após um sobressalto. -- O que aconteceu?
-- Nada – respondeu ela, falando baixinho, com sussurros, como que para não acordar as outras duas. -- Vamos pegar alguma coisa para comer.
-- Mas já? -- Levantei ainda meio sonolento e, de pé, esfregando os olhos, acrescentei: -- Então vamos chamar as meninas.
-- Não precisa! Deixe elas dormindo. Daqui a pouco elas acordam. Até lá a gente da deve até ter voltado.
Naquele momento não me passou pela cabeça que por trás daquele convite havia outras intenções. Acredito que o fato de ter acabo de acordar tenha contribuído por isso ter passado despercebido, contudo, a minha inocência, a falta de malícia ainda tão presente nessa idade pode ter sido outro fator. A verdade porém foi que acreditei seriamente que Luciana tencionava tão somente apanhar algumas frutas. Como eu poderia saber que ela, enquanto tomava conta da fogueira – ela foi a última a assumir tal posto --, ficara maquinando um plano diabólico, uma forma de me arrastar para longe e mais uma vez me seduzir?
Hoje fico imaginando o porquê de tanto desejo por mim. Tratava-se apenas de uma curiosidade, de uma vontade de experimentar o que não teria como se não fosse naquela ilha? Ou teria ela plena consciência do que estava fazendo, e o fazia por prazer, porque era uma mulher capaz de passar por cima de qualquer coisa para alcançar seus objetivos? Essa dúvida paira sobre minha cabeça até hoje, embora outros acontecimentos que o leitor há de ter conhecimento no momento oportuno me inclinam para a segunda hipótese, uma vez que, na mais das vezes, ela demonstrava saber perfeitamente o que queria e estava fazendo.
Ah, querido leitor! Só fui me dar conta de suas intenções quando, após uns dois quilômetros, pouco antes de chegar ao destino, onde a faixa de areia era mais larga, Luciana parou diante de mim, como que para me impedir de continuar andando, deu um sorrisinho maldoso e disse:
-- Deixa eu ver como ele fica quando está pequeno.
Não encontro palavras para descrever o que senti. Lembro-me porém, de, surpreso, ficar sem ação. E fiquei imóvel como que paralisado, feito uma criança que, congelada de pavor, torna-se uma estátua. No entanto, não havia motivos para ficar assim. Afinal de contas ela já me vira nu mais de uma vez. Então por que fiquei paralisado? Por que não reagi de outra forma?
A resposta pode estar não só na surpresa, pois não esperava aquilo, como também nas palavras do dia anterior. Ela tinha total controle sobre mim. Podia fazer comigo o que bem entendesse. Eu tinha plena consciência de minhas fraquezas, de minha impotência diante dela. Talvez isso, ao saber que ela faria o que eu supunha e o que provavelmente ela tinha em mente, tenha me paralisado.
Ela por sua vez não esperou resposta. Aliás, talvez achando que meu silêncio fosse um sinal de consentimento (talvez consentir ou não nem lhe fizesse diferença), agarrou-me a borada da sunga e a puxou o bastante para que o pequenino falo, encolhido feito um animal medroso, ficasse a mostra.
-- Mais que coisinha mais pequena! -- exclamou, levando a mão à boca e tapando o sorriso.
Seu sorriso foi humilhante. Ah, como aquilo me doeu! Aliás, nem poderia ser diferente. Não há nada mais humilhante para um garoto nessa idade do que ser motivos de risos por causa do tamanho do pênis. É uma situação capaz de provocar danos profundos no futuro. Em pessoas assim, onde a timidez de vez ou outra aflora com intensidade, os danos psicológicos podem ser ainda maiores.
Tomado pela vergonha, pela humilhação, com os olhos prontos a se desfazerem em lágrimas, minha reação foi empurrar-lhe o braço e sair correndo.
Não me ocupei da direção, apenas saí correndo feito um animal em debandada, que se precipita morro abaixo, atropelando tudo que encontra pela frente.
Ainda houvi Luciana gritar por mim, pedir-me para esperá-la, contudo não queria que me visse chorando, com um ódio enorme no peito, com uma descomunal vontade de matá-la.

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