O meu destino dir-se-ia
traçado. E o que me parecia uma oportunidade única para me fazer
notar por Marcela, quando a convidei para o passeio de barco com o
meu tio, acabou se revelando um verdadeiro desastre. E naquela ilha
vi uma nova oportunidade de conquistá-la, de fazer com que pelo
menos ela me desse uma chance; todavia, ao deixar que Luciana se
intrometesse entre mim e ela, pus tudo a perder. E mesmo que
conseguíssemos sair daquele lugar num curtíssimo espaço de tempo,
minhas chances seriam quase nulas. Provavelmente aos seus olhos,
Luciana era dona do meu coração, coração esse conquistado
rapidamente nos últimos cinco dias. Eis a triste verdade! Aliás, se
ainda me restava algo a fazer para reverter essa situação, deveria
ser feito o mais breve possível, antes que tudo estivesse perdido
para sempre. Mas o que fazer? Luciana exercia um poder sobre mim que
eu não sabia como me desvincilhar. Dir-se-ia preso numa rede de
pesca, arrastado por um grande navio pesqueiro. Ao longo da noite,
não pensei em outra coisa a não ser nas palavras ameaçadoras de
Luciana; palavras essas determinadas e claras como a luz do dia.
Quase não preguei o olho. E quando chegou a minha vez de tomar conta
da fogueira, passei a maior parte do tempo sentado, com os olhos na
imensidão do oceano, embora a luz do luar fosse fraca e pouco
contribuía para que eu pudesse enxergar alguma coisa ao longe. Jazia
perdido em divagações. Aliás, no vazio que meus olhos alcançavam,
os pensamentos ganhavam força e profundidade, meditativos para dizer
a verdade, pois não havia com o que se distrair. E nessas
meditações, nessa profunda compenetração procurei
desesperadamente uma saída, feito uma vítima que, ao cair na teia
da aranha, vê o predador se aproximar cada vez mais; ou feito aquele
que, após um terremoto, é soterrado num porão e vê a necessidade
de encontrar a qualquer custo uma passagem para não sucumbir de fome
e sede.
Mas onde estava a saída?
Pensei em chegar na Luciana e, olhando-a bem no fundo dos olhos,
dizer-lhe para me deixar em paz, para não se intrometer nos meus
sentimentos, e não tentar impedir-me de buscar a felicidade ao lado
de Marcela; contudo, eu sabia não ser capaz. Bastaria uma única
palavra mais dura para eu me calar, abaixar a cabeça e deixar que
ela voltasse a dar as cartas. E certamente suas ameaças seriam mais
amedrontadoras, coroadas de uma perversidade capaz de fazer gelar a
espinha do mais insensível dos homens. Embora eu ainda não houvesse
compreendido essa perversidade e não fizesse ideia de onde ela era
capaz de chegar, sabia tratar-se de uma pessoa sem limites.
Ah, como fiquei angustiado
naqueles instantes! Lembro-me inclusive, num momento de profundo
desespero, de pensar em aproveitar um segundo de distração quando
estivéssemos as sós e esmagar-lhe a cabeça com uma pedra. A imagem
da pedra descendo-lhe com toda a força sobre a cabeça e o seu corpo
arriando, feito um prédio durante uma implosão, formou-se no meu
cérebro. Logo em seguida porém, tais pensamentos me assustaram,
provocando-me uma vertigem. O leitor há de se lembrar do temor do
inferno, de como praticar atos que contrariam a moral cristã me
horrorizavam e me deixavam imponente. Só em pensá-los já me era
motivo de culpa, quanto mais praticá-los. Talvez eu jamais tivesse
coragem de fazer aquilo ou algo parecido. Na verdade, aquela ilha, de
pouco em pouco e de forma quase imperceptível, consumia tudo o que
adquirimos de civilizado anteriormente; contudo, em mim, a
religiosidade parecia retardar esse processo como que uma capa
protetora. Talvez, num momento de profundo desespero, até viesse a
cometer um ato bárbaro como esse, uma vez que o ser humano nessas
horas não passa de um simples animal, cujo instinto de sobrevivência
fala mais alto.
A hora passou rápido. E
quando olhei para o céu a fim de certificar se meu tempo de tomar
conta da fogueira havia chegado ao fim, vi com espanto que pela
posição das estrelas, este parecia ter findado há muito tempo.
Levantei e fui chamar a minha prima para assumir o meu lugar enquanto
eu deitava no seu. Embora houvesse feito uma série de melhorias na
cabana, as “camas” continuavam insuficiente para nos todos;
aliás, isso não era problema, uma vez que à noite um de nós
sempre permanecia em vigília.
Acordei com a Luciana me
cutucando. Tanto Marcela quanto Ana Paula continuavam deitas, com os
olhos pregados, provavelmente dormindo. Aliás, esta última parecia
roncar baixinho, indiferente aos raios de luz a atingir-lhe o
rostinho.
-- O que foi? -- perguntei
assustado, após um sobressalto. -- O que aconteceu?
-- Nada – respondeu ela,
falando baixinho, com sussurros, como que para não acordar as outras
duas. -- Vamos pegar alguma coisa para comer.
-- Mas já? -- Levantei
ainda meio sonolento e, de pé, esfregando os olhos, acrescentei: --
Então vamos chamar as meninas.
-- Não precisa! Deixe
elas dormindo. Daqui a pouco elas acordam. Até lá a gente da deve
até ter voltado.
Naquele momento não me
passou pela cabeça que por trás daquele convite havia outras
intenções. Acredito que o fato de ter acabo de acordar tenha
contribuído por isso ter passado despercebido, contudo, a minha
inocência, a falta de malícia ainda tão presente nessa idade pode
ter sido outro fator. A verdade porém foi que acreditei seriamente
que Luciana tencionava tão somente apanhar algumas frutas. Como eu
poderia saber que ela, enquanto tomava conta da fogueira – ela foi
a última a assumir tal posto --, ficara maquinando um plano
diabólico, uma forma de me arrastar para longe e mais uma vez me
seduzir?
Hoje fico imaginando o
porquê de tanto desejo por mim. Tratava-se apenas de uma
curiosidade, de uma vontade de experimentar o que não teria como se
não fosse naquela ilha? Ou teria ela plena consciência do que
estava fazendo, e o fazia por prazer, porque era uma mulher capaz de
passar por cima de qualquer coisa para alcançar seus objetivos? Essa
dúvida paira sobre minha cabeça até hoje, embora outros
acontecimentos que o leitor há de ter conhecimento no momento
oportuno me inclinam para a segunda hipótese, uma vez que, na mais
das vezes, ela demonstrava saber perfeitamente o que queria e estava
fazendo.
Ah, querido leitor! Só
fui me dar conta de suas intenções quando, após uns dois
quilômetros, pouco antes de chegar ao destino, onde a faixa de areia
era mais larga, Luciana parou diante de mim, como que para me impedir
de continuar andando, deu um sorrisinho maldoso e disse:
-- Deixa eu ver como ele
fica quando está pequeno.
Não encontro palavras
para descrever o que senti. Lembro-me porém, de, surpreso, ficar sem
ação. E fiquei imóvel como que paralisado, feito uma criança que,
congelada de pavor, torna-se uma estátua. No entanto, não havia
motivos para ficar assim. Afinal de contas ela já me vira nu mais de
uma vez. Então por que fiquei paralisado? Por que não reagi de
outra forma?
A resposta pode estar não
só na surpresa, pois não esperava aquilo, como também nas palavras
do dia anterior. Ela tinha total controle sobre mim. Podia fazer
comigo o que bem entendesse. Eu tinha plena consciência de minhas
fraquezas, de minha impotência diante dela. Talvez isso, ao saber
que ela faria o que eu supunha e o que provavelmente ela tinha em
mente, tenha me paralisado.
Ela por sua vez não
esperou resposta. Aliás, talvez achando que meu silêncio fosse um
sinal de consentimento (talvez consentir ou não nem lhe fizesse
diferença), agarrou-me a borada da sunga e a puxou o bastante para
que o pequenino falo, encolhido feito um animal medroso, ficasse a
mostra.
-- Mais que coisinha mais
pequena! -- exclamou, levando a mão à boca e tapando o sorriso.
Seu sorriso foi
humilhante. Ah, como aquilo me doeu! Aliás, nem poderia ser
diferente. Não há nada mais humilhante para um garoto nessa idade
do que ser motivos de risos por causa do tamanho do pênis. É uma
situação capaz de provocar danos profundos no futuro. Em pessoas
assim, onde a timidez de vez ou outra aflora com intensidade, os
danos psicológicos podem ser ainda maiores.
Tomado pela vergonha, pela
humilhação, com os olhos prontos a se desfazerem em lágrimas,
minha reação foi empurrar-lhe o braço e sair correndo.
Não me ocupei da direção,
apenas saí correndo feito um animal em debandada, que se precipita
morro abaixo, atropelando tudo que encontra pela frente.
Ainda houvi Luciana gritar
por mim, pedir-me para esperá-la, contudo não queria que me visse
chorando, com um ódio enorme no peito, com uma descomunal vontade de
matá-la.
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