sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A MENINA DO ÔNIBUS - Capítulo 2/2

Quando li pela primeira vez as palavras acima, a primeira coisa vir-me à memória foi a imagem de um número que eu não conhecia no visor do meu celular. Lembro-me de atendê-lo com uma interrogação na cabeça, como faria qualquer pessoa ao ver um número desconhecido. “Quem será?”, foi a inevitável pergunta. No entanto, ao atendê-lo e ouvir-lhe a voz, um “oi” meio tímido, como se a pessoa estivesse insegura, incerta acerca do número discado, aquele som foi prontamente identificado pelas conexões nervosas do meu cérebro. E antes que sua insegurança a fizesse desistir, devolvi-lhe o “Oi!” acrescentando:
– Que surpresa deliciosa! Estava justamente pensando em você, aguardando impacientemente sua ligação.
Essas palavras mudaram drasticamente o tom de sua voz, que agora se tornara mais leve, embora ainda mantivesse uma certa insegurança em alguns momentos. Aliás, foi essa percepção quem me levou a estender a conversa, apesar de aguardar-me na sala ao lado um cliente. No momento porém este não representava nada diante daquele telefonema. Talvez aquela ligação fosse a última coisa a faltar para que finalmente Ana Carla fosse minha, se é que minhas dúvidas não passassem de caprichos de um homem que faz da incerteza um instrumento eficaz de combate ao excesso de confiança, que muitas vezes levam as pessoas a quebrarem a cara. Se era, não o foi por muito tempo. Pois aquelas incertezas, tão presentes em momentos como esses, desapareceram no ar, no instante em que ela me contou, de forma espontânea e natural, que sentira vontade de falar comigo. Minha primeira reação foi vibrar, fazer aquele gesto tão característico de um atleta quando faz uma grande jogada. Aliás, diga-se de passagem, uma jogada excepcional, perfeita, um lance que poucos são capazes de executar.
Conversamos por alguns minutos e então me disse que ligaria à noite. Explicou-me que os pais estariam fora permanecendo ela e o irmão menor em casa. Era a primeira vez que me falava do irmão. Contudo, não deu detalhes e eu também não quis parecer mexeriqueiro, até porque no momento o irmão não me parecia ter importância alguma. Todavia, se por um lado ele não me despertou curiosidade, por outro a ausência dos pais intrigou-me. Onde estariam eles no final do dia? No entanto, não me passou pela cabeça que o pai poderia estar no trabalho e a mãe talvez só houvesse saído. O que havia demais nisso? E por um momento quase lhe perguntei, mas uma ideia foi me ocorrer justamente naquele momento, e esta me pareceu mais interessante, e acabou atropelando a curiosidade anterior que por sua vez acabou ficando e caiu no esquecimento. Ah, a ideia? Era se poderia ligar-lhe no final do dia, depois das cinco. Aliás, perguntei por perguntar, pois já sabia a resposta, embora precisasse ouvir de sua boca o sim. E este veio seguido de um “vou ficar aguardando” que apesar da omissão parecia vir acrescido de um “impacientemente”. E tenho certeza de que ficaria ao lado do telefone a noite toda se não lhe telefonasse.
Obviamente a fiz esperar. Poderia ter-lhe telefonado por volta de cinco horas, todavia esperei até seis e quinze. Certamente ela já não estaria mais aguentando, quase entrando em pânico. Por duas ou três vezes peguei no telefone, contudo, imaginando-a impaciente, preferi prolongar-lhe um pouco mais o desespero. Assim, quando ouvisse minha voz, esta sem dúvida lhe daria mais prazer, causaria um efeito ainda maior do que se tivesse lhe telefonado mais cedo. E não prolonguei mais seu desespero devido ao temor de que seus pais retornassem e a vissem naquele desatino. Isto sim seria um erro, seria um ato impensado, um risco desnecessário. Não fosse isso, certamente a teria deixado naquele estado por mais meia hora.
Nossa conversa durou uns cinquenta minutos. E talvez teríamos ficado mais se sua mãe não retornasse, pois ela parecia disposta a ficar a noite toda ao telefone, dada a facilidade com que os jovens têm para encontrar assunto a fim de estender uma conversa por tanto tempo. Eu por minha vez já estava ficando cansado. Se não fosse por uma causa tão importante, te-la-ia despachado há tempos. Era preciso porém arrancar-lhe algumas coisas sem que ela desconfiasse. Assim, aproveitei aquele tempo para saber um pouco mais sobre seus hábitos, seus gostos e principalmente acerca de seus pais, pois querendo ou não eram eles quem poderiam pôr meus planos por terra, era contra eles que eu teria de lutar o tempo inteiro. E de posse do maior número de informações, ficava-me mais fácil saber como agir.
Os detalhes dessa conversa porém não vou relatar aqui para não prolongar mais do que já estou sendo longo, embora não lhe será difícil, amigo leitor, imaginar o que foi conversado. Aos poucos, em momento mais oportuno o leitor tomará conhecimento daquilo que me foi possível arrancar nessa conversa. Sei que por enquanto esses pormenores podem não vos interessar, de forma que omiti-los não causará prejuízo algum a minha narrativa. Um detalhe porém deve ser adiantado, pois este me causou espanto e provavelmente lhe deixará, amigo leitor, tão surpreso quanto eu fiquei. O leitor há de se lembrar que naquela sexta-feira no ônibus, julguei que Ana Carla tivesse uns dezesseis anos, embora algum tempo depois desconfiasse que talvez fosse um ano mais nova. Contudo, quando lhe perguntei a idade, ela respondeu-me: quatorze anos. E ainda mais. Acrescentou tê-los completado há apenas duas semanas. Quatorze anos!? E eu a me envolver com menina? A surpresa porém durou pouco, talvez porque nossa conversa me tenha impedido de pensar acerca disso, pois se naquele momento não houvesse deixado escapar a oportunidade de pensar nos prós e contras, a chance de haver desistido de tudo seria infinitamente maior. Mas como o leitor há de saber, isso não aconteceu, até porque se assim fosse eu não estaria aqui a escrever essas memórias. E Ana Carla também se encarregou de empurrar esse fato para segundo plano, pois ao final da conversa, deixou escapar algo bem mais significativo, o qual me causou uma surpresa ainda maior.
Convidou-me para sairmos na tarde do dia seguinte. Perguntou-me se não ia trabalhar. Respondi-lhe que não trabalhava aos sábados. Mesmo que trabalhasse, deixaria tudo para lá. Por nada desse mundo eu me furtaria de encontrar-se com ela por causa do trabalho. Ainda mais quando se trata de algo tão distinto. Não que eu odiasse o trabalho, entretanto tinha plena consciência de que este era tão somente uma forma de obter o meu sustento, uma vez que vivemos numa época peculiar, onde tudo gira em torno do capital, e sem o qual simplesmente não somos nada. Assim, trabalhar para mim era uma forma encontrar uma ocupação e ao mesmo tempo não depender de meus pais, embora as despesas da casa continuavam a ser pagas por eles, o que aliás me permitia economizar algum dinheiro e o qual aplicava mensalmente na Caderneta de Poupança ou em ações.
Bem, se o trabalho não me era de todo prazeroso, aquela menina seria capaz de me proporcionar algo que trabalho nenhum poderia oferecer. Seria capaz de sentir e experimentar sensações que talvez jamais tivesse outra oportunidade de experimentá-las. Portanto, não perderia aquela chance por nada desse mundo. E mesmo que houvesse algum compromisso marcado para aquele final de tarde de sábado, este seria imediatamente cancelado, ou, na impossibilidade de cancelá-lo, simplesmente eu não compareceria. Mas não havia nenhum compromisso, nada que me impedisse de encontrá-la. Então combinamos de nos encontrar no ponto de ônibus algumas quadras de sua casa.
Num ponto de ônibus! Só Ana Carla mesmo para vir com uma dessas. Não me agradou sua escolha. Eu por mim jamais escolheria um lugar como esse. Por que não na praça próximo a sua casa? Não seria mais romântico? Mas eu não queria contrariá-la logo de cara. Decerto haveria oportunidade de sugerir-lhe locais menos sem graça, no entanto por hora melhor isso que encontro algum. Era a oportunidade de finalmente iniciar um romance, um faz-de-conta para seduzi-la. Até agora tudo correra como o planejado, dir-se-ia milimetricamente. Aliás de uma forma até surpreendente, uma vez que pensava ser mais trabalhoso para consegui-la e tê-la em meus braços.
Ah, querido leitor, naquele sábado fui tomado por uma inquietação, um desatino um tanto fora do comum! Ora estava no meu quarto, abrindo um livro, procurando me concentrar na leitura, ora, diante da TV, com o controle na mão, vagando de canal em canal a procura de algo capaz de prender-me a atenção. Todavia nada me interessava. Só tinha pensamentos para o nosso encontro à tardinha. Não fazia ideia do que poderia acontecer; e isso me deixava ainda mais tenso. Dúvidas e dúvidas pairavam sobre minha cabeça. Dúvida! Maldita palavra essa! Nada é tão difícil quando se está envoltos em dúvidas. Ainda mais quando se tem de tomar decisões sem que esteja certo de que serão acertadas, de que surtirão o efeito esperado. Não é por acaso que ser um grande estrategista é para poucos. A história é quem o diga.
Cheguei ao nosso encontro quase meia hora adiantado, motivo pelo qual tive de procurar um lugar para estacionar o carro. Aliás, com esse adiantamento quis conter meu nervosismo, mas acabei piorando as coisas. Aguardá-la não foi fácil, foi como esperar a eternidade. A hora teimava em não passar. Não bastasse isso, novas dúvidas acumulavam às que já me corroíam por dentro. Quando deu o horário e nada de aparecer, fui tomando por uma sensação horrível de que ela poderia não vir. Nunca ficara tão tenso e inquieto como naqueles minutos, embora noutras ocasiões também era tomado por essa mesma sensação, mas não com essa intensidade. Tudo de ruim que poderia ter acontecido passava em meus pensamentos. Dir-se-ia de um rapaz sentimental, apaixonado e inseguro à espera da amada. Aliás, eu mesmo não me reconhecia, parecia não ser eu. Era como se de um momento para outro alguém me houvesse ocupado o corpo tal qual um pai de santo ao receber uma entidade.
Infelizmente não tenho palavras para descrever a emoção que experimentei quando a vi surgir do outro lado da rua. Vinha caminhando apressada. E parecia a ninfeta mais encantadora da face da terra. Dir-se-ia de uma flor maravilhosa que tivesse desabrochado diante dos meus olhos, flor paradisíaca. Ah, que ninfeta! Que me perdoe Humbert, mas sua Dolores não chega aos pés da minha Ana Carla. Sei que pode ser coisa da minha cabeça, mas parecia que ela havia se arrumado para me provocar encanto, para me seduzir. Ainda me recordo de todos os pormenores de sua roupa; ou melhor, da pouca roupa que vestia. Aliás, como poderia me esquecer? Ana Carla vestia uma blusinha florida, a qual deixava o umbigo à vista, um shortizinho jeans tão curto quanto o que usara naquele dia no ônibus e calçava tênis com coloridas meias.
Nada me chamou mais a atenção do que seu minúsculo shortizinho. Parecia que cobria o extremamente necessário. Desnudas estava não só a parte inferior das redondas e rígidas nádegas, como as marcas deixadas nos quadris pelo biquíni. Naquele instante não fui capaz de inquirir-me acerca dos motivos de tão pouca roupa, mas hoje posso fazer essa pergunta. E embora não possa afirma com certeza, acredito porém que não a tenha usado com o intuito de me provocar desejos. Talvez caso fosse a uma festa, a um passeio ao Shopping Center com as amigas ter-se-ia vestido da mesma forma. Aqueles trajes provocantes era tão somente uma característica da maioria das jovens de sua idade. Dir-se-ia andar assim como forma de transgressão, desafio aos costumes estabelecidos; embora nisso também haja um quê de sensualidade, de mostrar que já se encontram prontas para o ato de acasalamento. Aliás, amigo leitor, a verdade tem de ser dita: aquela tez escurecida pelo sol parecia mais uma tentação; uma tentação que até o mais casto dos homens não teria forças para resistir. Ao atravessar ar rua, ela jogava os quadris para os lados como se dissesse: “toma que são teus! Pegue-os para ti e descubra os seus mistérios!” E quanto mais ela se aproximava, mais eu ficava afetado e mais a desejava.
E então ela foi chegando... chegando...
Quando me viu, abriu um desmedido e envaidecido sorriso. Sem medo de assustá-la, ofereci meus lábios. Ela os beijou sem titubear. Foi um beijo rápido, um toque sutil. Acho que poderia ter sido mais longo; só que nem ela e nem eu nos sentíamos à vontade ao beijar em público. Não sei se os motivos eram realmente esses; de minha parte, posso afirmar positivamente. Por isso achei que o ponto de ônibus fora uma má escolha. De certa forma eu projetava nos outros um preconceito que estava em mim mesmo. Afinal de contas, ela estava mais para minha filha que para uma namorada. E acho eu que ela também tinha consciência disso, pois era possível perceber um certo incômodo com aquela situação provocada principalmente pelos olhares daquelas pessoas que, talvez não sabendo do que se tratava, fizessem os piores juízos acerca de nós dois, embora de certa forma não estivessem de todo erradas.
Depois de conversarmos por alguns minutos, resolvemos que ali não poderíamos ficar. Nisso, ambos concordávamos. Restava-nos ir para um lugar mais discreto, onde não corríamos o risco de sermos reconhecidos. Mas para onde? Quando esta pergunta saiu dos ardentes lábios dela, eu não tive resposta. Perguntei-lhe se não gostaria de sugerir e respondeu-me não fazer a menor ideia. Então eu precisei pensar rápido.
Apesar de titubeante, não queria demonstrar medo e insegurança. Se o fizesse, poderia, de certa forma, dar a impressão de não estar certo acerca do que estávamos fazendo. Nessas horas, um pouco de conhecimento de psicologia é muito importante. Por isso, fui rápido e sugeri que fossemos caminhar à beira mar. Aliás esta sugestão me ocorreu porque já o fizera antes com outras mulheres, as quais tencionava tão somente seduzi-las e obter aquilo que não obteria de outra forma que não fosse através da ilusão da paixão. E a beira mar sempre me parecia mais fácil iludi-las, talvez porque o quebrar das ondas, cujo som passa uma sensação de tranquilidade, funcionasse como um reforço às suas aspirações românticas.


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