segunda-feira, 1 de março de 2010

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 02

A tempestade abrandou algum tempo depois, transformando-se numa chuva fininha. Durante esse meio tempo, nossa única preocupação foi tentar nos mantermos vivos. De forma que não sobrou tempo para pensarmos em meu tio, embora sua presença nos teria tornado as coisas bem mais fáceis. Mas quando começou a escurecer, quando a pouca claridade começou a desaparecer, fomos novamente tomados pelo pânico. Só a ideia de ficarmos à deriva, no escuro, na imensidão do oceano, sem noção de onde estávamos e sem esperança de que alguém nos encontrasse, gelavam-me os ossos. Se não bastasse, ainda era preciso encontrar forças para dar esperanças às meninas. Ana Paula jazia inconsolável, chamando pelo pai, ora implorando para que eu fosse procurá-lo, ora dizendo que ele havia morrido.
-- Não fique assim, amiga! – disse Marcela. – Seu pai pode ter se extraviado da gente, só isso. A onda deve ter levado ele para longe. Aí ele deve ter se perdido da gente. Por isso não conseguiu nos encontrar. – disse ela, com um braço na amiga e segurando o pedaço do barco com a outra. – Se nós, que somos mais inexperientes nos salvamos, por que ele, que tem mais experiência com o mar, não se salvaria também?
-- É mesmo, prima! – falei. – O tio só se perdeu da gente. Talvez ele soubesse em que direção nadar e foi em busca de socorro. – No fundo, eu não acreditava nisso, mas tinha de dizer-lhe alguma coisa, dar-lhe esperanças para confortá-la. Sabia que primeiro ele tentaria nos encontrar para depois pensar em buscar ajuda.
Ana Paula não ficou de todo convencida, entretanto acalmou-se por algum tempo.
A noite caiu rapidamente, mais rápido do que costumava chegar em terra. Em pouco tempo tudo ficou escuro. Não se podia enxergar nem um metro à frente, pois, para complicar, a lua não ajudava. Todavia, não tínhamos alternativa. Era só esperar, esperar... até que o dia amanhecesse e então poderíamos pensar em algo, numa forma de sair dali.
Por sorte a água não estava gelada. Também, naquela região, próximo à linha do equador, não havia como estar frio mesmo. Enquanto esperávamos, tomados por um silêncio terrível, tentei imaginar onde poderíamos estar. Claro que um garoto de quatorze anos, com pouquíssima experiência no mar, não seria capaz de calcular muita coisa. Mas eu deduzia que, se saímos do Refice em linha reta, poderíamos estar a num raio 50 milhas da costa. Claro que eu não fazia a menor noção da distância. Apenas chutei esse número ao acaso, da mesma forma que poderia ter chutado 20, 30 ou 40 milhas. A única coisa da qual havia alguma certeza era de que não seríamos encontrados com facilidade. A equipe de busca teria muito trabalho para nos encontrar, pois mesmo que encontrasse os destroços do barco, ainda sim não nos acharia. Por quê? Estava bastante claro para mim que nos afastávamos do ponto onde o barco naufragou. Eu só não sabia se avançávamos mar adentro ou se estávamos sendo arrastados para o litoral. Minhas esperanças estavam justamente nessa segunda possibilidade, pois nesse caso teríamos mais chances de sermos encontrados.
O que nos desesperava ainda mais não era só o fato de estar de noite e não enxergarmos simplesmente nada (aliás, nunca tive tanto medo do escuro quanto ali embora não estivesse sozinho), mas principalmente o cansaço, a fome e a sede. Faziam horas que não comíamos ou bebíamos uma única gota de água. Disso eu tinha certeza. Meu estômago doía consideravelmente. Marcela por sua vez reclamava amiúde que sua boca estava seca e que estava morrendo de fome.
Quando o dia amanheceu, pensei que teríamos mais um dia de sofrimento. E tudo começou a indicar que sim.
Que ironia do destino! Marcela sofreu um desmaio e quase se afogou. Justo ela, o motivo daquele passeio. Foi para agradá-la, para lhe fazer bonito que sugeri ao meu tio sairmos de barco. E ela não se afogou por pouco, pois na imobilidade do silêncio estávamos distraídos com nossos pensamentos, feito aqueles que após horas numa mesma estrada não encontra mais assunto. Na verdade, a fadiga e a sonolência nos deixava fracos e desorientados. De repente, Marcela escorregou e começou a afundar. Por sorte, Ana Paula deu um grito e eu mergulhei atrás dela. Consegui agarrá-la pelo braço antes que desaparecesse completamente embaixo da gente. Levamos um susto danado. E foi o suficiente para que Ana Paula descambasse novamente a chorar por causa do pai. Mas por outro lado foi bom, porque nos despertou antes que algo pior viesse a acontecer.
O milagre veio logo depois.
-- Estou vendo alguma coisa ali na frente – disse Luciana, apontando com o dedo em minha direção.
Todos viramos para olhar. Era algo ainda muito distante e não poderia ser identificado com facilidade. Para dizer a verdade achei que se tratava de uma miragem, pois aquela mancha verde não parecia em nada com um barco ou navio. Após olhar com mais atenção pude perceber que se tratava de uma montanha coberta por uma densa vegetação.
-- Vamos ver o que é. Talvez seja uma ilha – falei.
A possibilidade de encontrarmos algo que nos pudesse salvar nos deu novo ânimo. Por algum tempo esquecemos o cansaço, as dores pelo corpo, a fome e a sede e nadamos com o que ainda nos restava de disposição em direção àquele ponto.
Será que tínhamos encontrado uma ilha? Ou nossos sentidos estavam nos pregando uma peça? Não importava o que fosse, desde que pudesse nos salvar, o resto era tão somente um detalhe. Porém pouco a pouco, a medida que nos aproximávamos, aquilo foi ficando claro, mais nítido. Via-se a vegetação e o som das ondas quebrando na praia. Ondas? Praia? Um som como aquele só pode vir de um litoral, seja ele qual for. “Então não se trata de uma miragem”, foi a conclusão a que cheguei. E de fato não restavam dúvidas: estávamos chegando numa praia. Bem, se era uma ilha ou a costa do litoral brasileiro não fazia a menor diferença, os que nos contava era que estávamos a salvo. Quanto ao resto, quando chegássemos descobriríamos.


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