domingo, 21 de março de 2010

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 04

 -- Será que isto é mesmo uma ilha deserta? – perguntou Ana Paula, caminhando à frente do grupo e de vez em quando chutando a areia. Estava pensativa, possivelmente devido a falta de notícias do pai.
-- Não sei. Só se for uma ilha muito pequena. Pois as ilhas maiores ou são habitadas ou existem algum posto de controle – adiantei-me, relembrando de uma aula de geografia no final do ano anterior em que o professor falara acerca da inexistência de locais na Terra onde o homem ainda não tenha tido contato.
-- Pode ser uma ilha desconhecida – tornou ela.
-- Ana Paula, não existem mais ilhas desconhecidas hoje em dia – explicou Marcela.
-- Ótimo! Então alguém vai nos encontrar bem rápido.
-- Espero que sim. Não estou disposto a ficar nesse lugar por muito tempo – falei.
Andamos cerca de meia hora. Então percebemos que estávamos andando em círculo. Aliás, quem notou isso foi Luciana ao avistar metros a frente o ponto onde chegamos àquele lugar. Não se tratava evidentemente de uma ilha grande, a qual pudesse ser habitada. Era uma ilha irregular, com pequenas entradas, o que podia nos levar a crer que era maior do que realmente seria. De uma coisa porém eu tive certeza: não havia sinais de que alguém vivesse ou passara recentemente por ali.
Quando Luciana sentiu-se muito cansada, resolvemos parar. Sentamos os quatro na areia, de frente para o mar. Por algum tempo, ficamos em silêncio, pensativos, como se algo nos incomodasse profundamente. Eu do meu lado pensava numa forma de escapar dali e voltar para casa, agora quanto as meninas não sei o que lhes passava pela cabeça.
-- Temos que arranjar um lugar para ficar. Pelo jeito vamos passar a noite neste lugar – Disse Ana Paula minutos mais tarde. Jazia deitada na areia, como se estivesse em casa, na praia tomando banho de sol, embora no fundo só sucumbira ao cansaço.
-- Também acho. Espero que a gente não fique aqui para sempre – disse Marcela.
-- Nem eu – falei. – Ninguém quer ficar aqui para sempre. Temos que ter esperança. Alguém vai nos procurar e certamente chegará a esta ilha. Não é possível que ela esteja assim tão longe do Brasil.
-- Mas eles podem levar dias para nos achar.
-- Eu sei, Marcela. Mas em algum momento alguém vai vir aqui. Aí a gente sai daqui. Por isso a gente tem que fazer o que a Ana Paula disse: arrumar um lugar para passar a noite.
-- Mas como? – perguntou Luciana. – Fazendo uma cabana?
-- Podemos tentar – falei. – Mas primeiro temos que entrar no mato e procurar alguma coisa para comer. Não é possível que não tem algo para comer nesta ilha além de coco.
– Só se no meio dessa floresta – volveu Marcela.
-- Ou perto daquele lugar onde tinha água – lembrou Luciana. -- É nesses lugares assim que a gente pode encontrar elas mais fácil.
De fato havíamos passado do outro lado por um pequeno feixe de água, o qual desembocava no mar. Talvez devido às atenções estarem voltadas para a descoberta se aquilo era ou não uma ilha, deixamos escapar esse detalhe.
Voltamos até encontrar uma espécie de trilha, a qual também nos passara despercebido..
Antes que a mata se tornasse densa, havia uma faixa de terra onde cresciam samambaias e outros arbustos cuja altura quase nos cobriam. Foi nessa faixa de terra que encontramos as primeiras frutas.
De início demos preferência às bananas. Não pareciam haver em abundância, contudo tivemos a sorte de encontrar alguns cachos maduros. Muitas já estavam comidas por pássaros, mas mesmo assim ainda foi possível aproveitar o restante. Não eram tão saborosas quanto aquelas que nossas mães costumavam comprar no mercado ou na feira, pois se tratava duma espécie que eu não conhecia. Aliás, grande maioria das frutas que entramos mais tarde na ilha jamais eu ou as meninas as tínhamos comido.
A exploração naquela faixa de terra acabou nos sendo muito útil. Não só pelas frutas que conseguimos encontrar, mas também como forma de perdermos um pouco o medo de penetrar na floresta, embora aquilo não fosse exatamente a floresta, a qual ainda permanecia intocada. Não sabíamos quanto tempo permaneceríamos naquele lugar, mas certamente chegaria o momento de explorá-la. De certa forma, aquilo era um ensaio dos desafios que teríamos que enfrentar, embora mal sabia eu que os maires desafios não estavam na floresta ou em qual outro lugar daquela ilha mas dentro de nós mesmos.
Ao voltarmos à faixa de areia, havíamos adquirido alguns arranhões. Era inevitável que isso viesse a acontecer. Por mais que tentamos andar com cuidado e afastar os arbustos com um pedaço de madeira, uns e outros acabavam se voltando contra nossos corpos desprotegidos e provocando pequenos cortes, uns menos outros mais profundos, os quais provocavam um pequeno sangramento mas sem gravidade.
E quem mais sofreu nessa empreitada foi justamente a menor do grupo: Ana Paula. Tanto que em alguns pontos das pernas via-se não só os vergalhões, como uma pequena faixa avermelhada de sangue quase a escorrer-lhe.
-- Estou toda machucada – chegou a comentar ela.
-- Com o tempo, você se acostuma – disse Luciana, em tom de brincadeira e até de uma forma provocativa.
-- Ah, vá á merda! – volveu ela com irritação.
-- Calma meninas! Sem agressão – pedi.
-- Eu estou toda cortada e ela fica tirando sarro! – disse ela gesticulando as mãos, como se quisesse partir para cima da outra.
-- Será que não se pode falar nada, que você fica toda irritadinha? – esbravejou Luciana.
Levantei e fui em sua direção às duas.
– Opa, opa, opa... -- Decidi por um ponto final naquilo antes que a coisa ficasse pior. Em seguida acrescentei: -- Ela não quis te magoar, prima. Além disso, vamos mudar de assunto. Mal chegamos aqui e vocês já começaram a discutir. – Aumentei o tom da voz com o intuito de impor autoridade. – Não quero saber mais de discussão aqui. Temos que nos manter unidos e em harmonia para que podemos sobreviver até que alguém resgate a gente.
-- Mas foi ela quem... – interrompeu Ana Paula.
-- Já disse que chega. Ou nos respeitamos, ou vamos acabar nos transformando em inimigos uns dos outros. Já pensaram na possibilidade de firmarmos um bom tempo presos aqui? E se ficarmos, como vamos fazer se vocês já estão brigando?
-- Desculpe – falou Luciana, dirigindo-se a Ana Paula.
-- Tudo bem. Deixa pra lá – disse a outra.
E assim ninguém mais tocou no assunto. Todavia, percebi um tom nada amistoso e muita frieza entre ambas.

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