quarta-feira, 24 de março de 2010

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 05

-- Precisamos definir algumas regras -- disse Marcela, com aquele seu jeitinho meio tímido..
O dia devia se aproximar do fim, pois o sol já não estava mais tão quente e este movia-se em direção ao outro lada da ilha. Embora não tenha pensando nesse detalhe, o movimento do sol indicava que estávamos a leste da ilha, o que poderia esclarecer a nossa posição em relação à costa brasileira. Por outro lado conclui que a noite ainda poderia demorar a chegar, mas não deixaria de vir. E até então não tínhamos feitos nada para atravessá-la ao relento e provavelmente na mais completa escuridão.
-- Boa ideia – falei. – Vamos sentar os quatro e decidir o que vamos fazer – continuei, procurando assumir o papel de líder do grupo. Era natural que isso coubesse a mim por ser o único homem ali. – Todo bem?
Estávamos deitados na areia, como se não tivéssemos nada para fazer ou com o que se preocupar. Dir-se-ia estarmos em férias ao invés de perdidos. As meninas tinham inclusive tomado banho de mar.
-- Tudo – concordaram as três.
-- Precisamos acender uma fogueira para a gente se esquentar – sugeriu Ana Paula
-- Não só para nos esquentarmos, mas também para fazer fumaça – acrescentou Marcela, a mais calada. Era uma menina reservada que parecia sentir mais prazer em ouvir do que ser ouvida. Filha de um professor universitário e mestre em literatura inglesa, seu pai pelo que sei frequentava com certa regularidade a casa de meu tio. -- Senão como é que vão saber que estamos aqui?
-- Você tem toda a razão. Ainda não tinha pensado nisso – falei.
Ela dou um sorriso de satisfação e calou-se em seguida.
-- Também acho que precisamos marcar o tempo – propus. – Meu relógio parou de funcionar. Está marcando sete horas. Deve ter parado pouco antes da gente chegar aqui.
-- Acho que isso não é tão importante no momento – disse Luciana num tom um tanto desafiador. – Acho que temos coisas mais importante para fazer. Como construir uma cabana. Vocês não querem passar a noite ao relento, querem?
-- Não – responderam as duas. Eu fiquei em silêncio, pensando em algo mais para propor.
-- Isso lá é verdade.
-- Claro, Sílvio! Mas primeiro acho que temos que acender a fogueira.
-- É isso aí, Luciana! Então vamos por mão à obra – falei me adiantando e ficando de pé. – Temos que arrumar madeira seca para construir uma fogueira bem grande.
-- Mas onde vamos arrumar madeira seca? – Quis saber Ana Paula.
-- Vamos ter que procurar – disse Marcela. – Aí no meio dessa mata deve haver – acrescentou apontando para a densa floresta a cobrir toda a ilha.
De início não foi fácil encontrar quantidade de madeira suficiente para acender uma fogueira. Como não tínhamos como cortá-la, dependíamos dos galhos de árvore caídos no chão. De mais a mais, tanto da minha parte quanto das meninas havia receio em penetrar naquela mata fechada. Não sabíamos o que poderia encontrar e nossa imaginação só tornava a coisa mais assustadora. Todavia, não demorou tanto assim para que a madeira encontrada jazesse empilhada na areia, formando uma pilha quase da nossa altura.
-- Agora eu quero ver. Como vamos acender o fogo? – inquiriu Luciana, em pé diante dos pedaços de madeira empilhados.
-- Podemos fazer como fazia o homem pré-histórico. Esfregando um pedaço de madeira no outro até pegar fogo – explicou Marcela, sentando-se de frente para o mar. – Vai demorar um pouco, mas não temos outro jeito.
-- Vamos tentar – falei.
Peguei dois galhos finos e os quebrei até formarem duas varetas. Em seguida passei a esfregar um no outro, contudo não deu certo. Então Marcela me explicou que precisava de algo maior, capaz de suportar uma mais pressão sem se quebrar. Assim, procurei fazer como ela me explicara.
Não foi fácil. Cheguei a ficar com bolhas nas mãos. Mas o trabalho foi recompensado. Primeiro, o graveto e o pedaço de madeira ficaram quente, depois começou a surgir uma pequena fumaça.
-- Encosta o maço de capim aqui, Luciana – pedi. Luciana estava com um punhado de capim seco. Eu sabia que o capim pegaria fogo com mais facilidade, então sugeri que alguém o colocasse sobre a madeira quando esta começasse a soltar fumaça.
-- Isso. Assim...
Foi só eu movimentar mais algumas vezes o graveto que o fogo pegou. Naquele instante fui tomado por uma sensação de prazer indescritível. Dir-se-ia ter realizado uma magia.
-- Corre! Põe embaixo das folhas – exclamou Ana Paula, dando saltinhos de alegria.
-- Calma! Já vou pôr.
E assim o fogo pegou nas folhas e depois na madeira. Em pouco tempo a fogueira já soltava grandes labaredas e a fumaça subia aos céus. Via-se nos olhos e nos modos daquelas três jovens o quanto estavam contentes. Era como se dependêssemos tão somente da fogueira para retornar para casa.
-- Bem, agora vamos ter que manter essa fogueira sempre acessa – falei, de pé olhando para o fogo, cujo calor chegava até nós. – Para isso vamos ter que arrumar mais lenha. Essa aqui não vai durar muito tempo.
-- O problema vai ser arrumar lenha – disse Luciana. – precisaríamos de alguma coisa para cortar galhos mais grossos.
-- Só que não temos nada. Nem mesmo uma faca – disse Ana Paula em tom meio provocativo.
-- Eu sei que não temos – volveu a outra. -- Só disse que sem algo para cortar vai ficar difícil. Ainda temos que fazer uma cabana e nem mesmo sabemos como vamos cortar um galho de árvore.
Mais uma vez percebi que a convivência entre Lucina e Ana Paula não seria muito fácil. Havia um clima de hostilidade permanente entre elas, embora até a chegada à ilha havia respeito mutuo. Se por algum motivo precisássemos permanecer naquela ilha por muito tempo, o relacionamento entre as duas não ia acabar bem. Algo me dizia que mais adiante teria que tomar uma atitude extrema para evitar que se matassem mutualmente.
-- É mesmo – concordei. Eu não me sentia incomodado, mas Luciana parecia estar sempre um passo a minha frente. Era ela a levantar as questões mais importantes e, vez ou outra, quem escolhia a melhor solução, embora no quesito inteligência não parecesse estar a altura de Marcela.
-- E o que vamos fazer? – perguntou Ana Paula.
-- Sei lá! Temos que pensar em alguma coisa – falei.
-- E você Marcela, não diz nada? – perguntou Ana Paula. Não havia dúvida de que ela era a mais comunicativa do grupo; talvez por ser a mais jovem e ainda carregar mais traços infantis apesar dos seus doze anos. – Só fica aí muda. Parece que tem medo de dizer alguma coisa.
-- Eu estava pensando – disse Marcela. – Acho que deveríamos procurar alguma coisa que pudesse servir de instrumento de corte. Lembram dos homens das cavernas? Eles não faziam instrumentos de pedra?
-- Bem pensado – falei, pondo a mão no queixo. – Você tem toda a razão. Pelo jeito você era uma boa aluna de história – completei soltando uma risada.
-- É, eu era sim – respondeu ela, com as faces avermelhadas.
-- Mas onde vamos procurar? – quis saber Ana Paula.
-- Onde houver água corrente. Lá é mais fácil de encontrar – respondeu Marcela. – Mas podemos procurar em outros lugares também.
-- Então, vamos fazer o seguinte: a gente dá uma olhada lá onde bebemos água. Talvez a gente ache alguma coisa. Depois a gente tenta construir uma cabana – falei. – Mas alguém tem que ficar de olho na fogueira. Não podemos deixar ela se apagar
-- Mas quem vai ficar? – perguntou Luciana.
-- Eu não vou ficar sozinha – disse Ana Paula.
-- Você fica, Luciana – falei.
-- Mas porque logo eu?
-- Alguém tem que ficar, não tem? Como sou o único homem aqui, eu tomo as decisões. Assim está resolvido e pronto.
Luciana mostrou todo o seu descontentamento fechando a cara. E por um momento pensei que ela fosse bater o pé e se negar a ficar, entretanto não disse palavra. Não havia muito o que fazer.
-- Eu fico com ela – disse Ana Paula. -- Vão vocês dois procurar. Não estou mesmo com vontade de ficar andando por aí. Minhas pernas ainda estão doendo.
-- Tudo bem. Já que vocês duas estão aí. Vê se não vão deixar a fogueira apagar, hem!
E assim fomos eu e a Marcela procurar agulha no palheiro. Eu sabia que não seria fácil encontrar algo que pudesse servir como instrumento de corte, mas não nos restava outra alternativa. Desde o momento em que fomos parar naquela ilha, sabíamos que as coisas seriam muito difíceis. A cada obstáculo, teríamos que usar nossa criatividade para suprir a falta de experiência e vencê-lo.
Estávamos vivendo uma nova realidade, algo jamais imaginado por qualquer um de nós. E agora teríamos que provar para nós mesmos que seríamos capazes de sobreviver sem as mínimas condições de sobrevivência naquela ilha até sermos resgatados. Mesmo que levasse um dia, uma semana ou um mês, era preciso sobreviver a qualquer custo. E esse era o maior desafio.

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