quinta-feira, 29 de abril de 2010

ADEUS À INOCÊNCIA - CAP. 08

Eu não consegui pegar no sono apesar do cansaço; pois me sentia desconfortável deitado naquela areia. Lembro-me que sentia uma tremenda falta de minha cama. Aliás, deitar-se ao relento só me fez aumentar a sensação de abandono, a qual, com o aperto do coração, levou-me às lágrimas que no entanto tratei de contê-las por me sentir envergonhado, uma vez que sempre ouvia meu pai dizer que homem não chora. Assim, mantive os olhos fechados por algum tempo na tentativa de adormecer, mas o sono teimava em não vir, como se também ele houvesse me abandonado. Além do mais, havia a preocupação de que a Marcela não tomasse conta direito da fogueira e a deixasse se apagar . Aliás, eu tentava não me preocupar com isso, mas não conseguia, pois sobre tais preocupações eu não tinha controle.
O silêncio era estarrecedor e quase total; ouvia-se no entanto o continuo e irritante quebrar das ondas, o qual me incomodava de tal forma que me tirava qualquer possibilidade de pregar o olho. Talvez pelo cansaço, as meninas tinham adormecido logo depois de deitarem. Ao contrário do que acontecia comigo, a falta de um colchão e de uma coberta parece não ter feito diferença.
Por fim desisti de dormir. Resolvi levantar e ir até a água tirar a areia do corpo. Antes porém sentei ao lado da Marcela e ficamos conversando baixinho, para não acordar as outras duas.
-- E aí, como vão as coisas? – perguntei.
-- Horrível! – respondeu ela. – Não existe nada pior do que ficar sentada no escuro olhando para o nada. A gente tenta pensar em alguma coisa boa, mas o que vem à cabeça são só lembranças daquele acidente.
-- É verdade! Quanto a ficar olhando para o nada, depois a gente acostuma.
-- Eu não quero me acostumar. Quero ir para casa.
-- Eu também quero – concordei. – Só que talvez tenhamos que ficar um pouco mais aqui.
-- Você acha que eles vão demorar a encontrar a gente? – quis saber ela.
-- Não sei. Tenho medo de que isso possa acontecer. Pode ser que eles pensem que a gente se afogou e desistam de nos procurar. Se isso acontecer, vamos passar muito tempo nesse lugar, até que alguém apareça. – Falei. Eu não fazia a menor ideia do que poderia acontecer; todavia, algo dentro de mim me dizia que nossa estada ali seria longa.
Marcela silenciou-se. Foi como se minha opinião a afetasse profundamente, como se eu lhe houvesse afirmado uma certeza e não feito suposições. Eu por minha vez não sabia o que dizer, pois nem mesmo sabia o que pensar. Também me sentia afetado, não pelo que nos pudesse acontecer, mas sim pela presença dela ali ao meu lado, as sós, perdidos naquela imensidão do universo. Eu não conseguia esconder que só nós dois ali era um terreno fértil para pensamentos que não tenho coragem de revelar.
Tanto é verdade que achei por bem dar um mergulho. Talvez isso os afastasse e fizesse com que o fluxo para a região dos quadris cedesse.
Voltei algum tempo depois. Pela posição da lua, ainda não estava no meu horário de tomar conta da fogueira. Mas como eu não conseguia dormir, disse-lhe para ir deitar-se que eu ficaria tomando conta da fogueira.
-- Ainda bem. Porque eu estou morrendo de sono – disse ela.
Marcela deitou ao lado das outras duas e, ao que parece, adormeceu pouco depois.
A fogueira havia perdido força. E se seu não a alimentasse, em pouco tempo o fogo se extinguiria. Por isso catei alguns galhos que estavam amontoados bem ao lado, quebrei-os em pequenos pedaços e coloquei no fogo. Aos poucos, o fogo foi ganhando força.
Em seguida sentei onde a Marcela havia sentado anteriormente e fiquei olhando para a imensidão do mar, tal qual ela fizera antes. Talvez porque não houvesse mesmo para onde olhar, uma que atrás de nós a densa vegetação dava a impressão de algo assustador.
Eu quase não conseguia ver nada. Podia tão somente ver a espuma branca das ondas quebrando na praia. E, por falta do que fazer, fiquei por um bom tempo contando-as. Depois comecei a pensar em tudo que nos havia acontecido desde a saída de casa. Pensei nos meus familiares, no quanto eles estavam desesperados com o nosso desaparecimento; pensei nos familiares das meninas e na morte de meu tio. O que iríamos dizer para minha tia? Como ela tocaria a vida sem tio Jamil? E Ana Paula? Como reagiria ao descobrir que o pai estava morto, desparecido para sempre nas profundezas do oceano? Tudo isso ocupou meus pensamentos por um longo tempo.
Mas, aos poucos, aqueles pensamentos foram dando lugar a outros. Olhei para as meninas que dormiam tranquilamente na areia bem ao lado da fogueira, e meus olhos percorrem aqueles três corpos seminus, cobertos tão somente pelo biquíni. E novamente pensamentos que eu preferia não pensar tomaram conta de mim. Olhei para Luciana, que dormia de bruços, e meus olhos foram parar-lhe nas nádegas seminuas. E por algum momento esqueci minha paixão por Marcela.
A seguir, virei o rosto em direção ao mar e tentei desviar os pensamentos, como se afastar os olhos daqueles corpos impedir-me-ia de não pensar neles. Lutei contra meus devaneios por alguns minutos, tentei usar minhas concepções, como se fosse uma arma, para derrotá-los, mas foi tudo em vão. Era como se dentro de mim tivesse alguém que dizia: “Olha! O que tem de mais? Não tem ninguém vendo. Você está sozinho e elas estão dormindo. Pode olhar o quanto quiser. Não tem nada que te impeça”. Do outro lado porém alguém parecia recomendar: “não, não olhe! Não é certo fazer isso enquanto elas estão dormindo. Você ia gostar que ficassem olhando para você assim? E a Marcela? Você não está agindo corretamente com ela, desejando outra garota”. Isso porém não foi o bastante para que eu voltasse os olhos para suas nádegas e desejasse estar em cima delas.
Tais pensamentos me deixaram muito afetado. E tal qual a maioria dos meninos de treze e quatorze anos, eu só conhecia um meio de me livrar daqueles pensamentos. Assim, abandonei a fogueira alguns instantes, até porque não se apagaria tão cedo, afastei-me o suficiente para que elas, caso acordassem, não vissem o que estava fazendo, e bati a primeira de uma sequência de várias punhetas naquela ilha.

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